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Em um sistema que vende e compra tudo alma, corpo, tempo e pão o mercado anuncia: “até o afeto tem promoção”.
Na cidade, no campo, na periferia, a fome não escolhe. Tem preço no riso, tem código de barras no beijo, tem dívida até no desejo.
Mas ainda mastigo, com dentes de raiva e ternura, o fruto roubado da cerca, o feijão herdado da luta.
Comer é um ato revolucionário quando a terra tem um único dono, quando o prato vazio é um crime do Estado e o agro diz que é pop.
Eu amo com a fome de quem sonha, com as mãos trêmulas da justa raiva, com a língua afiada de ideias. Faço da mesa uma trincheira.
E na boca, fermenta o levante: pão, poesia e punho cerrado. Revolução não se faz só com armas se faz com afeto temperado.
Porque no fim, amar viver e comer é insurgir-se contra o mundo que quer tudo produto, menos o que há de mais bruto: o cuidado, o tempo, e a partilha do fruto.
A gente come pra não morrer, mas também pra lembrar que é vivo. Porque tem gente que finge que vive, mas só consome passivo.
No mercado até o abraço é vendido, a saudade tem frete incluso, e se você tem fome de mundo, o sistema diz: “isso é abuso”.
Mas eu faço da comida um ato de resistência, com as mãos preparo o doce e o picante, o salgado e o ácido. Divido o pouco com quem tem menos, porque fartura é ser, não ter.
Comer junto é amar é olhar no olho e dizer: “tamo junto”. É pôr no prato um pouco de sonho com um tempero de assunto.
O capitalismo quer tudo embrulhado, quer alma dentro do pacote. Mas meu afeto não cabe em vitrine, meu amor explode e transcende.
A fruta e a pimenta, o açúcar e o sal, uma mistura de amores e sabores, de fome e urgência, de viver e de comer.
Porque amar é subversão, num tempo de tanto descaso. É fazer café pra quem a gente gosta e servir sem código de barras na embalagem.
A revolução começa no fogão, no quintal, na mão que semeia. Começa quando o prato se enche e ninguém vai dormir com fome.
Então, se for amar, que seja com força. Se for comer, que seja com todos. Porque quem partilha o pão, derruba mais muros e constrói pontes.
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