Janela Livraria, no Rio de Janeiro, proporciona encontro com autores e conversas sobre literatura para atrair o público – Reprodução/Instagram
. A Black Friday, que ocorre oficialmente nesta sexta-feira (26), é uma data esperada por comerciantes e consumidores, que veem uma oportunidade para aumentar as vendas. Para determinados mercados, no entanto, o momento pode ser de apreensão. É o caso de livrarias de médio e pequeno porte, que, diante de gigantes do mercado, como a Amazon, não conseguem acompanhar a concorrência nos descontos e traçam estratégias para não ter um faturamento abaixo do padrão.
Estimativas do mercado editorial calculam que a Amazon ocupa uma fatia de 40% a 60% de todo o mercado. E essa número subiu ainda mais durante a pandemia do coronavírus.
Wilson Ferreira, dono da Laura Livros, em Belo Horizonte (MG), por exemplo, vê o faturamento diminuir em média de 30% a 40% nos meses de novembro, devido à Black Friday. Parecido é o caso de Mônica Carvalho, dona da Livraria da Tarde, localizada no município de São Paulo, onde houve uma redução de aproximadamente 20% no faturamento da loja de outubro para novembro de 2020. Neste ano, faltando uma semana para o fim de novembro, Carvalho já constatou uma redução no faturamento.
Os faturamentos destoam do comércio varejista como um todo nesta data: a receita nominal aumentou 1,4%, entre outubro e novembro de 2020, segundo a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo Mônica Carvalho, mesmo se preparando para a data, o faturamento cai. “O mês de novembro geralmente é muito delicado para as livrarias”, afirma. “É uma coisa padrão. A gente diminui o prejuízo fazendo promoções, mas na medida em que a gente faz a promoção, a gente também abre mão de uma parte da margem. Então reduz faturamento, não tem jeito.”
Beto Ribeiro, sócio da Livraria Simples, em São Paulo, explica que a receita acompanha a curva de crescimento, ainda que em valor menor do que o aumento registrado mensalmente, devido às iniciativas desenvolvidas durante o período. Caso contrário, a redução seria expressiva, como foi em 2018. Naquele ano, “a gente não fez nenhum movimento na livraria e foi uma catástrofe. Foi um mês para esquecer, porque a gente faturou metade do que a gente fatura normal”.
Em 2020, a livraria “vendeu bem, mas com uma margem menor, uma vez que a gente faz desconto. Este mês aqui [novembro de 2021] a tendência dele é acontecer a mesma coisa”.
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. Em Foz do Iguaçu, as quase três décadas de trabalho, interação com o mercado editorial nacional e compromisso com a resistência à negação da cultura talvez explique em boa parte a sobrevivência da Livraria Kunda. Instalada no centro da cidade é uma das poucas livrarias clássicas que sobraram no interior do Paraná. Parte desse fôlego está no seu acervo. Mais de 50 mil títulos das mais variadas áreas estão à espera de leitores. Uma verdadeira bibliodiversidade. E, nas prateleiras dessa coleção, raridades do mercado editorial. Muitas delas, já fora dos catálogos das editoras.
Conforme explica a livreira Nathalie Husson, sua livraria se mantém de pé perante a avalanche da venda digital, a partir disso. E, é claro, apropriando-se de ferramentas e tecnologia que também a colocam como alternativa para quem procura livros especiais, muitos deles, esgotados nos grandes centros.
Ainda que as forças sejam muito desiguais e por isso o futuro incerto, manter-se na luta é mais do que um negócio mercantil prosperar ou não. Aos argumentos anteriores, soma-se um compromisso dos proprietários da Kunda proprietários com a democratização das Ciências, da Leitura e das Artes em Foz do Iguaçu. Marca indelével, aliás, que fez da empresa um porto seguro para as iniciativas mais diversas em benefício da Cultura na região desde sempre.
Um dos principais fatores que contribuem para a redução no faturamento dessas livrarias é a presença da Amazon – segundo o ranking global da Kantar BrandZ, a empresa mais valiosa do mundo, com um valor estimado em US$ 684 bilhões (quase R$ 4 trilhões) – no mercado de livros, onde consegue oferecer produtos com valores menores do que os praticados até mesmo pelas próprias editoras.
. Nas palavras de Letícia Bosisio, sócia da Janela Livraria, no Rio de Janeiro, “para as livrarias, [novembro] é muito ruim, porque em relação à Amazon, principalmente, há uma campanha muito forte. Eles conseguem vender livros a um preço muito barato, que não tem concorrência”.
Em um artigo publicado na Revista Rosa, a curadora, editora e pesquisadora Ana Paula Simonaci explica que, ao chegar no Brasil, a Amazon encontrou obstáculos para se estabelecer como uma loja de departamento online e vender os mais variados produtos devido à pressão de lojas já estabelecidas por aqui, como Americanas, Ponto Frio, entre outras. Como saída, entrou no comércio brasileiro por meio do mercado editorial e, por isso, “chegaram ao Brasil com toda a força por meio dos livros”.
Segundo Beto Ribeiro, da Livraria Simples, é inviável obter qualquer lucro vendendo livros aos preços praticados pela Amazon, até mesmo para as editoras, sem passar por intermediários. Nesse sentido, em um texto intitulado “Amazon destrói”, Tadeu Breda, editor da Editora Elefante, afirmou que “ninguém consegue sustentar-se vendendo livros com tamanho ‘desconto’ (que não é desconto, é dumping, e alguns países vêm tomando medidas contra essa prática). Fica claro, assim, que a Amazon — ao contrário das pequenas livrarias — não se mantém com a venda de livros”.
Em 2020, a editora publicou o texto “Os livros não precisam da Amazon”, afirmando, em sua linha fina, que se recusa “a fornecer nossos títulos diretamente à empresa de Jeff Bezos e pedimos às distribuidoras que não comercializem nossas publicações com a gigante varejista”.
Nesse cenário, os proprietários das livras estão criando estratégias para driblar os desafios da Black Friday e garantir, pelo menos, um faturamento semelhante aos outros meses. Beto Ribeiro negociou com algumas editoras, por exemplo, melhores preços para esse período, inclusive em cima de livros que já foram comercializados na tradicional Feira de Livros da USP, aproveitando os descontos praticados neste evento.
Mônica Carvalho, por sua vez, além de negociar descontos com as editoras, procurou vender livros que estão esgotados em lojas online e fugir daqueles que estão sendo mais comercializados no ambiente virtual. .
Livraria da Tarde conta com um espaço para café / Reprodução/Instagram
“Eu fiz essa busca na internet para poder escolher aqui do meu acervo alguns livros que realmente estão difíceis de encontrar em outras livrarias e coloquei com 20% de desconto”, afirma Carvalho. “Busquei livros que são diferenciados. A gente faz um trabalho muito forte aqui, de curadoria mesmo, para oferecer para o cliente um produto diferente do que ele encontraria numa Amazon.”
A Kunda Livraria também aposta no Natal para fechar o ano dentro de um equilíbrio financeiro. Sempre com seu acervo especialíssimo aliado a um atendimento personalizado a quem a procura.
Outra estratégia é investir na transformação das livrarias em espaços culturais, que ofereçam mais do que a comercialização de livros. Neste mês, por exemplo, Beto Ribeiro investiu em uma apresentação de jazz em frente à Livraria Simples.
Ônibus com jazz ao vivo em frente à Livraria Simples / Reprodução/Instagram
. No espaço da Livraria da Tarde tem um café onde é possível sentar e fazer rodas de leitura. “Um espaço de conexão, um espaço de valorização do livro, de encontro”, como afirmou Mônica Carvalho. “Vamos aproveitar a nossa força que está na loja física, porque aqui a gente consegue oferecer para o cliente uma gama de opções de livros que a internet não oferece, e ele vai se encantando.”
Na Janela Livraria, Letícia Bosisio e sua sócia, Martha Ribas, investem nos lançamentos e bate-papos. “Nossa estratégia é o encontro, o bate-papo com o nosso livreiro, é a troca, é a pausa.”
Em Minas Gerais, na Laura Livros, Wilson Ferreira investe nos seminários sobre autores e autoras e nas dicas de livros.
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