Cartaz da peça que estreou em Londrina – Imagem: reprodução
A alma do médico Gabriel Martins, que morou em Londrina nos anos 1940, viveu atormentada, apesar de boníssima e comprometida profissionalmente. Ou, talvez, exatamente por esse motivo. O dilema por ele vivido comove o mais comum dos mortais e eleva a peça “Dr. Gabriel”, baseada em fatos reais, de autoria do escritor Marco Antonio Fabiani à categoria dos espetáculos teatrais que podem ser considerados ímpares.
O dilema surge do impasse entre amor e ciência em uma época de poucos recursos científicos, mas de latitude amorosa comum a todos os tempos.
É de se penitenciar de não haver conhecido antes esse ser de jaleco branco, pioneiro na região, rico em sua bondade e comprometimento profissional, mas que carrega ao mesmo tempo conflitos danosos cultivados pessoal e apaixonadamente em plena fertilidade da terra roxa.
O texto de Fabiani é intenso, tenso, fio de navalha a ser desafiado entre a ciência e o sublime. O conflito que permeia o texto é angustiante. Dói na alma a dúvida do médico e cidadão apaixonado. Ele se debate entre o compromisso científico com a comunidade paralelo à paixão por uma mulher com hanseníase e todos os receios e preconceitos que despertava na época. Naquele tempo, as pessoas com essa doença eram isoladas, confinadas, em drama tão ou muito pior do que a enfermidade.
Outro mérito do autor é a recuperação histórica da riqueza/pobreza de uma cidade que já nasceu ousada, mas igualmente conservadora. Esse é o cenário.
Aliás, na peça há raros senões, como a ausência nas falas dos personagens de expressões chulas, palavrões, grosserias ou outros costumes usuais nos sertões londrinenses de então e mesmo borrões nas interpretações… Coisa pouca, própria da implicância de chatos (assumo) e que não compromete o todo.
Apesar de um ou outro senão, o conceitual de elétrica emoção não é minimizado e desenvolve-se com a riqueza conflitante do personagem principal e a escavação histórica de períodos na cidade que não foram somente de ouro verde.
A música, de José Alberto Silva e Gustavo Gorla, mantém a tensão no ar. A direção de Silvio Ribeiro, idem. E o tormento humano fica a cargo dos atores Apolo Theodoro, Donizetti Buganza, Carlos Costa, Hebert Blaese, Júnior Voltraimer e Sofia Contu.
As pessoas merecem conhecer o trágico embate entre o amor e a ciência (às vezes, muito mascarado) não só quando eles se complementam, mas também quando necessitam cruelmente se distanciar, com um personagem real – Gabriel Martins -, especial na história londrinense, embevecido, penosamente, tanto pela ciência quanto pelo amor. O final à surpresa pertence.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.