Cena de Blow-up, de 1966, dirigido por Michelangelo Antonioni.
De Michelangelo Antonioni / 1966 / Itália-Grã-Bretanha.
A mais conhecida das adaptações. O realizador italiano já gozava de uma alta reputação no panorama cinematográfico europeu e Blow Up foi a sua primeira experiência fora do país, rodada poucos anos após a publicação de “Rayuela”.
Trata-se de uma adaptação de “As babas do diabo”, conto incluído no livro “As armas secretas”. É a história a de um fotógrafo de modas (David Hemmings) que ao ampliar umas fotografias descobre as pistas de um assassinato e fica obcecado com o facto, ao ponto de se isolar da sua vida quotidiana no afã de desvendar o mistério. Esta descoberta em branco e preto contrapõe-se a um mundo colorido, as modas juvenis e uma cultura pop dos anos 60, que se quer superficial, mas que no fim é real. É a busca de uma realidade que transcenda o que se vê à primeira vista, o que vincula diretamente Blow Up com o conto, ainda que Cortázar tenha esclarecido que nunca encontrou no filme uma conexão precisa. Um colorido episódio contado por Cortázar dá conta disso: “Italo Calvino, que é meu amigo, escreveu uma vez um livro para Antonioni. Quando chegou o momento do filmar, Italo descobriu que a única coisa do seu texto que tinha ficado era o tucano. Depois soube por Mónica Vitti que era ela que gostava muito da ideia do tucano.”
De Jean-Luc Godard / 1967 / França.
Não se trata propriamente de uma adaptação, mas sim de uma citação, ainda que bastante extensa e com certo peso dentro da história. Apesar de não se conhecer qualquer intercâmbio entre Cortázar y Godard, dá-se por certo que o conto a que se alude no início do filme é “A auto-estrada do Sul”, publicado um ano antes, conto que terá una adaptação mais literal alguns anos depois com “Il grande atasco” de Luigi Comencini.
Tudo começa com um idílico passeio ao campo de um grupo de burgueses que rapidamente se transforma numa sucessão de situações desagradáveis, começando por um engarrafamento descomunal na estrada, provocado por um acidente fatal. É esta famosa cena, realizada através de um extenso travelling, que faz referência a “A auto-estrada do Sul”. Claro que no seu desenvolvimento, o conto de Cortázar oferece muito mais, à medida que o engarrafamento se prolonga e surge uma miniatura da sociedade moderna. Um pouco disto está insinuado em “Weekend”, porque entre buzinadelas e insultos, alguns já começaram a divertir-se na berma da estrada.
De Luigi Comencini / 1979 / Itália.
É a adaptação quase literal de “A auto-estrada do Sul”, o mesmo que foi abordado de maneira parcial por Godard. Em nenhum dos dois casos aparece Cortázar nos créditos dos títulos de apresentação. Tratou-se de um filme orientado claramente para o público europeu em geral, um tipo de produção muito frequente nos 60 e 70 que tentava contrariar o domínio do cinema anglófono. Daí que o elenco inclua atores de vários países, começando pelos italianos Alberto Sordi, Marcello Mastroianni e Ugo Tognazzi, os espanhóis Fernando Rey, Angela Molina e José Sacristán e os franceses Gérard Depardieu e Annie Girardot. A quantidade de nomes com que o filme foi apresentado (L’ Ingorgo, Una historia impossible, Il grande atasco), ainda na própria Itália, responde a essa premissa. A história dá conta de um gigantesco engarrafamento na rota que conduz a Roma. A sua duração irá submetendo as personagens a diversas situações, até abalar os pilares da conduta humana. Um casal separa-se, um homem morre por falta de assistência médica e ocorre uma violação, sequência particularmente desagradável devido à indiferença das demais personagens e que é a única que se afasta do tom de comédia do filme. A grande diferença com o conto original está na escolha do foco de atenção. Enquanto Cortázar se centra nas ações, o filme centra nas personagens. Cabe recordar, além disso, que no conto as pessoas são identificadas pelo modelo dos seus automóveis.
De Roberto Gervitz /2005 / Brasil.
O conto “Manuscrito encontrado num bolso” faz parte do livro Octaedro (1974). Em primeira pessoa, conta a história de um homem que pratica um jogo que consiste em estabelecer uma rota dentro da rede do metrô de Paris. Se durante o trajeto encontrar uma mulher que coincide com este traçado, ele se outorga o direito de a abordar. O flme brasileiro toma esta ideia como ponto de partida, e aproveita-a para arrendondar uma boa ficção a respeito da solidão nas grandes cidades. A rede de subterrâneos parisiense é substituída pelo menos glamoroso metro de São Paulo. Dado não menor, trata-se de uma cidade realmente multitudinária e, à diferença do conto de original, grande parte do filme se desenvolverá na superfície. A personagem principal é um pianista, Martin, cujas probabilidades de sucesso no jogo são remotas: ou a rota escolhida pela mulher não coincide ou é recusado por medo. Mesmo assim, Martin terá as suas oportunidades, primeiro a mãe de uma menina autista e depois uma escritora cega. Finalmente uma mulher desperta o seu interesse e ele segui-la-á, transgredindo as regras do jogo. A escolhida resulta ser uma prostituta que tenta escapar dos seus exploradores. A esta altura, pouco e nada fica do conto de Cortázar à exceção do nome de uma das suas personagens: Ana.
De Diego Sabanés / 2008 / Argentina.
Entre as adaptações mais recentes, ressalta este filme realizado pelo debutante Diego Sabanés com um magnífico elenco no qual figuram muitos nomes mais conhecidos pela sua atividade teatral, como Marilú Marini, Claudio Tolcachir e Rubén Szuchmacher. Trata-se de uma adaptação do conto “A saúde dos doentes”, na qual também se reconhecem vários elementos de outros textos de Cortázar pertencentes ao livro “Todos os fogos o fogo” (1966). A história decorre na intimidade de uma família burguesa. Pablo partiu para Paris para tentar a sorte como músico. Passa o tempo e não há notícias dele, o que começa a preocupar a sua mãe. Temendo pela sua saúde, os seus outros dois filhos escrevem falsas cartas e enviam presentes. O plano envolve outros membros da família e a noiva de Pablo, que é instada pela mãe a apressar os preparativos do casamento para forçar o regresso do noivo. A montagem de uma grande mentira tem os seus custos, cedo aparecerão as dívidas e o desmantelamento dos bens familiares. E o mais importante, ou o mais cortazariano, é que todos os envolvidos irão aperfeiçoando os seus papéis até acomodar esta construção fictícia. Mentiras piedosas é um filme recomendável em todo o sentido. Oferece uma audaz apropriação da literatura de Cortázar, um guião depurado com base na inteligência e na criatividade, todas as interpretações são de alto nível e a ambientação que supera muito outros filmes mais caros do cinema argentino. Deve considerar-se que a história está situada nos anos 50 e que se tratou de uma produção de baixo orçamento.
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