Do portal Meu Timão Há algo de profundamente simbólico no fato de o futebol feminino do Corinthians ser, hoje, o que o masculino já foi — e talvez tenha esquecido como ser. Enquanto os homens se debatem entre egos, gestões desorganizadas e memórias desbotadas de glórias passadas, as mulheres seguem vencendo. Com raça, com fome, com amor. E com uma clareza rara sobre o que significa vestir essa camisa.
É curioso: o futebol masculino teve mais de um século para se perder. O feminino, pouco mais de uma década para provar que podia existir. E existiu com força, como quem emerge de um apagamento histórico. O contraste entre os dois não é acaso — é sociologia em movimento, psicologia coletiva em campo.
O futebol masculino do Corinthians carrega o peso da estrutura, dos privilégios, da herança de quem sempre teve onde jogar, quem o olhasse e o aplaudisse. Já o feminino nasceu no subterrâneo da indiferença. Não havia holofote, torcida ou investimento. Havia resistência. Essas mulheres foram forjadas no “não”. No “não tem patrocínio”. No “não dá ibope”. No “não é futebol de verdade”. E é exatamente por isso que, quando entram em campo, não jogam apenas por três pontos. Jogam por um espaço que lhes foi negado. Jogam por todas que vieram antes e não puderam vestir a camisa. Jogam como quem aprendeu que perder significa voltar à invisibilidade.
O sucesso do Corinthians Feminino não é mistério técnico, é fenômeno humano. É o resultado de uma gestão que entendeu que pertencimento é mais forte que salário, que propósito é mais duradouro que marketing. É um projeto que não se constrói de cima pra baixo, mas de dentro pra fora — onde cada jogadora sabe por que está ali. E é também uma resposta à pergunta que um torcedor lançou: “ por que o futebol feminino dá certo e o masculino, não? ”. Talvez porque o feminino nunca teve o luxo de achar que já estava pronto.
Enquanto o masculino se acostumou à ideia de que o Corinthians é eterno, o feminino entendeu que eternidade se conquista todo dia. Enquanto os homens parecem jogar para manter algo que acreditam possuir, as mulheres jogam para provar que podem ter. E, no fundo, é essa a diferença entre quem defende o que herdou e quem luta pelo que construiu.
O futebol feminino do Corinthians é a encarnação daquilo que a camisa sempre prometeu: povo, garra, resistência, entrega. Mas talvez seja justamente por isso que o feminino incomode — porque ele lembra, a cada vitória, o que o masculino esqueceu. O que essas mulheres fazem não é só jogar bola. É resgatar o sentido simbólico de ser Corinthians: o oprimido que reescreve o roteiro, o invisível que se torna voz, o esquecido que levanta taça.
As mulheres não têm nada a perder — porque já nasceram com nada. E é justamente por isso que conquistam tudo. Elas não jogam para sobreviver ao sistema, mas para subvertê-lo. E talvez seja essa a lição que o futebol masculino precisa reaprender: não há vitória sem fome, nem camisa que valha se o corpo que a veste esqueceu o peso da luta que a costurou.
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