O antropólogo Darcy Ribeiro completaria 100 anos neste 26 de outubro de 2022. Abaixo, transcrevemos texto autoral publicado pela FUNDAR, instituição que cuida oficialmente do legado do pensador brasileiro. Escrito em terceira pessoal por Ribeiro nos anos 90, o texto se revela um importante comentário autobiográfico. .
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“Darcy Ribeiro, escorpião, gosta de dizer que é mineiro de Montes Claros, a melhor cidade do mundo (a avenida principal tem o nome da mãe dele: Mestra Fininha). Depois de nascer de parto natural (dizem que foi fundado, mas não é verdade), cresceu e fez as bobagens habituais.
Lendo-o, ninguém duvida de que o texto, embora escrito em terceira pessoa, seja meu. A prosápia e o estilo são inconfundíveis.” (Darcy Ribeiro, comentando o texto)
. Quem sou eu? Às vezes me comparo com as cobras, não por serpentário ou venenoso, mas tão só porque eu e elas mudamos de pele de vez em quando. Usei muitas peles nessa minha vida já longa, e é delas que vou falar. A primeira de minhas peles que vale a pena ser recordada é a do filho da professora primária, Mestra Fininha, de uma cidadezinha do centro do Brasil. Outra saudosa pele minha foi a de etnólogo indigenista. Vestido nela, vivi dez anos nas aldeias indígenas do Pantanal e da Amazônia. Pele que encarnei e encarno ainda, com orgulho, é a de educador, função que exerço há quatro décadas. Essa, de fato, foi minha ocupação principal desde que deixei etnologia de campo. Acabei ministro de educação de meu país e fundador e primeiro reitor da Universidade de Brasília. Outra pele que ostentei e ostento ainda é a de político. Sempre fui, em toda a minha vida adulta, um cidadão ciente de mim mesmo como um ser dotado de direitos e investido de deveres. Com a pele de político militante fui duas vezes ministro de Estado, mas me ocupei fundamentalmente foi na luta por reformas sociais. Fracassando nessa luta pelas reformas, me vi exilado por muitos anos e vivi em diversos países. Minha pele de proscrito foi mais leve do que poderia supor. Meu ofício naqueles anos foi de professor de antropologia e, principalmente, reformador de universidades. Disto vivi. No exílio, devolvido a mim, me fiz romancista, cumprindo uma vocação precoce que me vem da juventude. De volta do exílio, retomei minhas peles todas. Hoje estou no Brasil lutando pelas minhas velhas causas: salvação dos índios, educação popular, a universidade necessária, o desenvolvimento nacional, a democracia, a liberdade. No plano político, fui eleito vice-governador do Rio de Janeiro e depois senador da República. Essas são as peles que tenho para exibir. (Ribeiro, in Brasil como Problema, Doutor Honoris Causa São Paulo: Editora Siciliano, 1990).
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