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De algum ponto além da cordilheira, conto de Marina Colasanti
De algum ponto além da cordilheira, conto de Marina Colasanti
24 de junho de 2023
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Ilustração de Marina Colasanti
Há quanto tempo aquela cidade se preparava para a chegada dos bárbaros? Não desde sempre. Mas quase. Por isso as sólidas muralhas mais antigas que muitas casas, e as constantes sentinelas no topo. Viriam da fronteira traçada pela cordilheira, estava escrito, atravessariam com seus animais de duras patas o vale de pedras. E embora a muralha cintasse a cidade por inteiro e houvesse fronteiras em outras direções, só para o lado do vale voltavam-se os olhares das sentinelas. Até que uma manhã, atendendo àqueles olhares que se feriam contra o sol nascente, viu-se a linha do horizonte estremecer, como se abrasada por um vapor. E com o passar das horas, já às beiras do escuro, foi possível dizer, com quase certeza, que sim, havia um remoto mover-se que bem podia significar um avanço.
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A notícia correu pelas muralhas, resvalou para as ruas, pátios, casas, passou por todas as bocas com tensão de alarme: eram os bárbaros que vinham. Vinham, é certo, mas como se verificou em seguida, moviam-se muito, muito devagar. Sete dias depois, continuavam longínquos, indistintos. Talvez trouxessem armas pesadas, donde a lentidão da marcha, especulou-se na cidade. Certamente eram numerosos, foi dito, e se não levantavam nuvem de poeira era apenas porque avançavam em solo pedregoso. Quem sabe, esperavam reforços vindos de confins afastados . Fosse como fosse, repetiram todos, encontrariam a cidade pronta para a defesa. Juntaram-se provisões, afiaram-se as lâminas. Em cada casa reforçaram-se portas e janelas. Protegeram-se os poços.
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A cidade rangia os dentes, mas os bárbaros não chegavam. Mais de um mês havia sido gasto em preparativos, quando percebeu-se que acampavam na distância, muito além do alcance de tiro e olhar, demasiado longe para permitir um avanço seguro da cavalaria. Estão recompondo suas forças depois da longa marcha, deduziram os chefes militares da cidade. E, como água, a informação escorreu por debaixo de cada porta. Em breve atacarão, deduziram todos.
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Nem em breve, nem mais adiante. Os bárbaros pareciam ter esquecido o motivo da sua vinda. Acampados estavam, acampados continuaram, no mesmo lugar. Por um tempo, muito. A bem da verdade, não se mantinham inteiramente imóveis. Deslizavam tão pouco para a frente, expandindo-se apenas como a gota `a qual se acrescenta mais e mais água, que imóveis eram considerados na cidade. De palmo em palmo, entretanto, de pequeno avanço em pequeno avanço, os bárbaros acabaram sendo alcançados pelo olhar. Em dias claros, e sem muito esforço, viam-se do alto da muralha os homens e seus cavalos, as mulheres tirando leite das cabras, as crianças brincando entre as patas dos camelos, o cotidiano sendo gasto. Impossível saber se havia guerreiros, porque um guerreiro sem couraça é apenas um homem, e não se veste couraça fora da batalha. `A noite, a claridade que filtrava das tendas povoava a planície de vagalumes.
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Subir nos torreões para observá-los tornou-se uma atração na cidade. E o momento chegou em que , deslizando de nada em nada, os bárbaros com suas tendas e o latir de seus cães estavam ao pé da muralha. Contrariando as previsões, não investiram contra os portões, não pegaram em armas. Talvez nem as tivessem. Estavam ali, tão somente, como antes haviam estado no vale. Eram mais coloridos do que pareciam `a distância, e ruidosos. A música dos seus instrumentos escalava a muralha, perdia-se nas ruas, convidando a destrancar as janelas.
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Tendo-os assim tão próximos, com sua algaravia e seus colares de contas, parecia difícil aos habitantes da cidade justificar o medo que os havia precedido. Com certeza são apenas nômades, comentaram entre si os chefes militares. E nas ruas e casas repetiu-se com satisfação, apenas nômades. Não demorou muito para que, certos todos de que algo os nômades teriam para mercadejar, os grandes portões da muralha lhes fossem abertos. Só então foi possível ver que seus dentes eram pontiagudos e recobertos de ferro. Mas já era tarde.
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Texto reproduzido da página Marina Manda Lembranças.
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Marina Colasanti (1937 – )é escritora, contista, jornalista, tradutora e artista plástica ítalo-brasileira nascida na então colônia italiana da Eritreia.
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