“Termo de Nascimento
Aos vinte três dias do mes de março de mil novecentos e vinte nove, nesta Cidade de Foz do Iguaçu, Estado do Paraná, em meu cartório compareceram o senhor Cypriano Cabral, paraguayo, agricultor solteiro com vinte e seis anos de idade, e com a presença das testemunhas abaixo assinados declarou que no dia vinte do corrente, as dias horas, no segundo Distrito desta Comarca em casa de residência de Paulino Maciel, nasceu uma criança de sexo masculino que tomou o nome de José filho do mesmo Paulino Maciel e sua mulher Helena Lopes, sendo avós paternos José Maria Maciel e Petrona Maciel e maternos Domicio Vilalva e Petrona Lopes, do que para constar fiz este termo. Eu, Elpidio Gomes de Almeida, escrivão, neste termo o escrevi Cipriano Cabral (assinatura)”
É assim que consta a página 138 do livro de registro de nascimento do meu pai, José Maciel. Na página anterior traz o registro de Cyriaco Rios por determinação do juiz da comarca de então (1929). Ainda na página 138, a senhora Gregória Vieira registrou a filha ou seu filho – o nome deve constar na página 139.
Estes três nascimento traz ao lado das páginas os números 31, 32 (do meu pai) e 33. Deve ser os números de nascimentos na Comarca de Foz do Iguaçu em 1929.
No termo de nascimento do meu pai, nota-se que o nome José foi colocado em espaço maior entre as palavras “de” e “filho”. Eu deduzo que o escrivão Elpidio Gomes de Almeida escreveu todo o termo e deixou o espaço em branco para depois registrar o filho de Paulino Maciel e Petrona Lopes.
José Maciel nas Cataratas do Iguaçu – Foto: arquivo pessoal /ZBM
Em casa, na minha infância, meu pai e minha mãe, Ursulina Bonfim Maciel – mais conhecida como Dona Tereza – diziam que o nome do pai era Gilberto que o escrivão colocou José porque seu nascimento foi um dia antes da comemoração de São José, dia 19 de março. Meu pai era conhecido e chamado de Gilberto até fazer o registro dos seus documentos, carteira de identidade, título de eleitor. Eu mesmo, ouvi amigos dele e parentes chamá-lo de Gilberto.
Meu nome é José Gilberto Maciel, um registro do meu pai ao nome como era chamado e conhecido. Meu irmão, José Maciel Junior, teve seu nome com esse registro porque nasceu no mesmo dia em que meu pai, 20 de março.
O termo de nascimento foi encontrado pelo meu cunhado Charles Chayford Foster Neto em um portal de busca de árvores geneologicas – o familysearch.org. Para acessá-lo é necessário fazer um cadastro e criar uma conta. Minha irmã, Marely Maciel Foster, que me enviou um printe do documento.
Eu desconhecia os nomes ou qualquer referência dos meus bisavós – somente da minha avó Helena Lopes que sempre a visualizei como uma morena de pele clara e olhos verdes, uma mulher bonita. Do meu avô Paulino, a informação que tenho, sempre da família, que morreu na Guerra do Chaco, defendendo o Paraguai.
A guerra foi um conflito com a Bolívia entre 1932 e 1935 em disputa pelo Chaco Boreal, região entre os dois países, em que se especulava como causa a descoberta de petróleo no sopé dos Andes. O conflito é apontado como a maior guerra do século XX na América do Sul e que deixou 60 mil bolivianos e 30 mil paraguaios mortos. O Paraguai venceu a guerra e o domínio pela região.
Dos bisavós paternos e maternos – José Maria Maciel e Petrona Maciel e Domicio Vilalva e Petrona Lopes – os desconhecia quase completamenta. A minha bisavó Petrona Lopes chegou a morar com a minha família – eu não me lembro dela – só soube da estripulias que meu irmão Walmor Bonfim Maciel e a minha irmã Marlena Maciel aprontavam com a bisavó como colocar um sapo na casinha enquanto ela fazia suas necessidades. Disseram-me, pode ser uma lenda de família, que a bisavó Petrona morreu com 130 anos depois de comer uma melancia e, em seguida, tomar banho. Daí, a imperiosa lei da família que proibiu associar uma coisa com a outra.
Também não sei nada de Cypriano Cabral, o agricultor paraguaio, solteiro, que fez o registro do meu pai. Se era amigo da família ou coisa assim. Do Segundo Distrito, onde fica o Porto Belo, meu pai contava histórias que vinha a pé, de um burro ou cavalo até o centro de Foz do Iguaçu. Eu acho que esse percurso, ele fazia até o Bartolomeu Mitre que funcionava no casario, hoje em frente da Praça Getúlio Vargas, em que a prefeitura propõe tombá-lo para instalar a casa da memória.
O Porto Belo, soube depois, foi a região de maior conflito e litígio urbano. Os paraguaios eram enganados, forçados a assinar documentos e, geralmente, expulsos das suas terras ou as vendiam a preço de banana. Também tenho poucas lembranças do meu pai. Sei que morou entre as décadas de 50 e 60 no campo do ABC. Meu pai era um bom atleta, jogava na lateral esquerda, seu apelido era “cavalinho do ABC”. Minha mãe cuidava do bar e dos carneiros que comiam a grama que crescia no campo. Tenho fotos da minha irmã Marlena, do meu irmão Walmor entre as galinhas índias que criavam, do meu pai junto ao time do ABC, da minha mãe na janela do casarão onde ficava o bar, do meu tio Eugênio, e do próprio campo de futebol. Inda soube que meu pai e minha mãe e meu irmão Walmor chegaram a morar próximo ao cemitério São João Batista. E que meu pai assustava os bêbados e mais incautos com um lençol branco passando por fantasma do cemitério.
Da sua adolescência, pouco soube. Sei que trabalhou no transporte de erva mate e da madeira até as chatas do Rio Paraná. Sei também que morou um tempo na Argentina com meus tios (não sei quais) e de lá veio sua aversão ao macarrão, o único cardápio que era oferecido à ele. Em poucas fotos que tenho, vejo um rapaz bem apessoado que gostava de se vestir bem com um terno de linho branco, e que treinava boxe no 84º Boxing Club com o professor Kid Chocolate.
Outra história de família dizia que meu pai, um homem letrado em português, era convocado pelo juiz da comarca local quando um julgamento envolvia algum paraguaio que só falava em guarani. Meu pai, falava com fluência o guarani, e servia de tradutor.
Ursulina Bonfim Maciel e José Maciel – Fotos: arquivo pessoal /ZBM
Já na minha infância, já via meu pai funcionário da prefeitura de Foz do Iguaçu e fazendo bicos de garçom nas festas como os bailes do chope, noites de carnaval e apresentações de cantores – tinha até um autografo do Nelson Ned em um guadarnapo. Começou como contínuo e chegou a trabalhar com Manoel Orfanaki e a Otília Schimmelpfeng no gabinete do prefeito. Quando eu já era estudante do centro (escola municipal Jorge Schimmelpfeng) e depois do Bartolomeu Mitre, meu pai era fiscal de obras e em casa, vias as plantas das casas, geralmente assinadas pelo engenheiro Tadeu Gardolinski, e os terrenos e outras eram medidos pelo topógrafo Irío Holer.
Minha não gostava que meu pai fosse jogar pelo Municipal, time dos funcionários da prefeitura. Foi lá pela década de 70 que meu pai foi acometido de epilepsia, tomava gardenal, e da asma que o perseguiu até o fim da vida. De lá até a sua morte em 1993, por enfizema pulmonar, na Santa Casa Monsenhor Guilherme, meu pai definhou e passou recluso por mais de 15 anos, com uma hérnia abdominal, na sua casa na Avenida JK. Na casa onde nasci e cresci, antes de me perder pelo mundo.
Do meu pai vem as lembranças da maestria como ele descascava uma laranja, da sua letra bonita nos escritos, da sua máquina fotográfica, dos seus discos em 78 rotações, de como assustava os turistas – olha o bicho – no hotel Diplomata na Avenida Brasil, das vezes que nos levou ao salto do Arroio Monjolo na sua foz no Rio Paraná, no passeio às Cataratas e de uma vez que o levei, junto com a mãe do meu filho Gabriel Demmer Maciel, para ver o rio Paraná sem água depois do fechamento das comportas da Itaipu.
José Maciel trafega com sua bicicleta na atual Av. Jorge Schimmelpfeng, no centro de Foz do Iguaçu – Foto: arquivo ZBM
Sempre que falava que era filho do Gilberto ou do Maciel, nunca ouvi sequer uma admoestação. Meu pai era muito querido pelos seus amigos e por quem o conhecia, sempre saudado com admiração e reconhecimento. Apesar de doente e recluso, apesar de nunca tê-lo entendido, se tornou minha maior referência.
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