Difícil fotografar o silêncio.Entretanto tentei. Eu conto:Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa.Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.O silêncio era um carregador?Estava carregando o bêbado.Fotografei esse carregador.Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.Fotografei a existência dela.Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupaMais justa para cobrir sua noiva.A foto saiu legal.
______________________________Manoel de Barros, poeta brasileiro (1916-2014)Áurea Cunha, fotojornalista em Foz do Iguaçu.
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