Elisane e a escritora guarani Maria Lucia Takuaa, autora do livro “A Indiazinha do Chapeuzinho Verde” (Foto: Clovis Brighenti)
Sou Elisane! Cursei o magistério e posteriormente ingressei na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) onde fiz a graduação em Letras-Artes e Mediação Cultural e o Mestrado em Literatura Comparada. Sem dúvidas, estudar na universidade pública foi a melhor experiência da minha vida e sou muito grata por isso, pois reconheço que neste país marcado por tanta desigualdade esta é uma oportunidade que nem todos têm – mesmo sendo um direito de todos e todas.
Certamente a vivência acadêmica faz parte da minha história, mas aqui quero evidenciar o que está nas entrelinhas do meu currículo para poder falar de sonhos e de luta. Afinal, o que somos sem sonhos e sem luta?
Talvez, seja essa a essência desta vida atravessada por constantes metamorfoses. Somos os sonhos que nos constituem e a resistência nos move para seguir lutando por aquilo que acreditamos. É fácil? Obviamente que não. A luta contra a opressão é constante e às vezes, ter que defender os direitos humanos e o óbvio parece até ilusão.
Somos cidadãos, somos humanos – embora nem toda a sociedade pareça humanizada. Em função disso, acredito na literatura e nas artes como potência para a transformação. Realizo o Projeto Cantando Histórias que consiste no trabalho de Mediação de leitura literária com músicas para a formação de leitores. As histórias selecionadas buscam, sobretudo, contemplar as culturas silenciadas valorizando a diversidade étnica e cultural.
Recentemente, adaptei com músicas o reconto “A Indiazinha Chapeuzinho Verde” da escritora guarani Maria Lucia Takua e fiz a mediação em contextos diferenciados: Escola do Campo e Escola indígena. Durante essas mediações foi muito interessante perceber como as crianças construíram sentido ao ouvir esta narrativa.
Na Escola Indígena, as crianças se identificaram com a narrativa e tinham “de memória” a frase mais significativa dos posicionamentos pelos direitos indígenas expressos no texto: “A terra não é nossa, nós somos da terra” (Takua, 2016). Já na Escola do Campo notei que o conhecimento sobre a cultura indígena ainda era algo a ser construído, ou melhor, desconstruído, pois a presença da imagem “congelada” do indígena, isto é, aquele que apenas vive na floresta ficou acentuada, pois não houve comentários no sentido de que o indígena poderia viver na cidade ou em uma aldeia da região, por exemplo. Essas respostas podem ser um reflexo do contexto em que as crianças estão inseridas ou de como é trabalhada a questão indígena no ambiente escolar.
Por isso, nos cursos de formação continuada para professores sempre destaco a importância de proporcionar aos estudantes o acesso às obras literárias diversas, isto é, não selecionar apenas histórias que se limitem a uma visão monocultural. É importante apresentar narrativas em que os leitores possam reconhecer ou conhecer outras culturas e contribuir para a formação de leitores críticos e reflexivos.
Por isso, considero muito significativo quando vejo novas publicações de escritores e escritoras indígenas para que eu possa fazer a mediação de leitura literária dessas obras, pois certamente são as melhores fontes para conhecer sobre as diferentes etnias. Nesse cenário, a mediação de leitura se apresenta como uma linguagem de aproximação e como caminho para a mediação dessas tensões culturais, favorecendo a integração, sensibilização e alteridade.
Percebe-se que o princípio do preconceito é a ignorância, que instiga a reprodução de pré-conceitos em relação à cultura indígena. Acredito que a partir da literatura, por intermédio da mediação de leitura literária, é possível transcender as fronteiras que separam o eu e o “outro” e contribuir para que desde cedo as crianças reconheçam a diversidade em sua própria ascendência, valorizando a sua própria identidade e as culturas que fazem parte da formação do povo brasileiro.
Esse ainda é um caminho a ser construído e a literatura e as artes se apresentam como uma possibilidade para esse fim. Certamente há muitos desafios durante o trabalho de mediação cultural e de mediação de leitura e, ao longo do meu trabalho vou constatando a verdade dessa afirmação. Entretanto, conforme mencionei inicialmente, a resistência nos move para seguir lutando por aquilo que acreditamos.
Acredito que com o exercício de alteridade toda pessoa tem a capacidade de colaborar para desenvolver esse processo de desconstrução, reflexão e construção de uma nova história. Isso é utopia? Prefiro acreditar que sem horizonte utópico é impossível resistir.
Sonhar e lutar são processos revolucionários e tirar o encantamento de nossos sonhos é tudo o que o opressor deseja. Por isso, seremos resistência todas as vezes que a injustiça tentar apagar nossos sonhos e silenciar a voz das mulheres, das pessoas negras e indígenas. Enquanto tiver pessoas sendo mortas simplesmente por demonstrar amor ou sofrer violência por causa de sua cor a luta será constante.
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