Não há como não tomar partido, Mas, seja qual for o lado, é preciso ir além de questões simplistas. Porque o tema é complexo.
Por Cláudio Dalla Benetta (*)Reproduzido do portal H2Foz
Primeiro, o senador Álvaro Dias desarquivou o projeto de 2010, do deputado Assis do Couto, que criava a estrada-parque (veja no final de onde veio esse conceito) e instituía a Estrada do Colono. Agora (na verdade, na quarta, 20), o deputado federal Vermelho protocolou na Câmara o projeto de lei 984/2019, que cria a categoria de unidade de conservação denominada estrada-parque e institui a Estrada-Parque Caminho do Colono.
Não é a mesma coisa? Segundo Vermelho, não. (O projeto de Assis do Couto era) “muito complexo, de difícil aplicabilidade das normas almejadas. Nosso projeto é simples e prático. Na sequência faremos as especificações técnicas e ambientais que poderão constar do projeto de construção da obra”, diz o deputado.
Seja qual for o projeto, o que interessa é que ressuscitaram a ideia de reabrir a estrada, fechada em 2001.
Os defensores da reabertura têm lá suas razões: ela fazia parte, mesmo que ilegalmente, da Rodovia PR-495, ligando a cidade de Serranópolis do Iguaçu (desde a divisa Norte do Parque Nacional do Iguaçu) e a cidade de Capanema (entroncamento com a BR-467).
O trecho tem apenas 17,6 km, e se fosse reaberto, seria reduzida a distância entre Medianeira e Capanema, dos atuais 170 km para 58 km.
Fala-se que a estrada isolou comunidades, trouxe prejuízos econômicos, etc. O deputado Vermelho dramatiza, conforme texto de sua assessoria: “O fechamento da estrada prejudicou milhares de famílias que se viram isoladas, longe dos filhos, irmãos, pais e amigos de longa data que vivem do outro lado do parque. Eram pessoas que frequentavam as mesmas igrejas, escolas, discutiam os problemas, promoviam festas regionais com música, folclore, bom churrasco e chimarrão. O fechamento da estrada cortou sobremaneira esse convívio social”.
Isto foi em 2001, 18 anos atrás. Neste tempo, a vegetação nas imediações do entorno da chamada Estrada do Colono se recompôs, os animais ganharam mais espaço e já não se apavoram mais com o ronco dos veículos. A natureza, ali, está em paz. E os moradores, de uma forma ou de outra, se adaptaram. Os menores de 18 anos nem sabem o que era viver na época da estrada.
Hoje em dia, falar em meio ambiente soa demodé. A ideia é “desenvolvimento”, seja às custas do que for. Mas é importante conhecer o manifesto preparado por onze instituições ambientais, na época em que tramitava o projeto do deputado Assis Couto, entre elas Greenpeace, SOS Mata Atlântica, WWF e Sociedade de Pesquisa e Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
1 – O Parque Nacional do Iguaçu foi criado em 1939. A chamada Estrada do Colono foi aberta em 1954, como uma picada no meio da mata, mas já de forma ilegal.
2 – A estrada foi fechada definitivamente em 2001 por iniciativa do Governo Federal, que se comprometeu junto às Nações Unidas a não permitir sua reabertura e a promover o desenvolvimento sustentável nos municípios no entorno do Parque Nacional do Iguaçu. Na época, a estrada já era reconhecida como maior ameaça à integridade do sítio do Patrimônio Mundial Natural.
3 – A lei que regula o Sistema Nacional de Unidades de Conservação foi debatida por 20 anos no Congresso Nacional, foi lançada em 2000 e não reconhece “estradas parque”. Essa figura não carrega nenhum significado ambiental
4 – Os 18 quilômetros da antiga estrada desapareceram com a recuperação da vegetação nativa. Abri-los levaria ao desmatamento de 17 mil metros quadrados de Mata Atlântica, cortando ao meio um dos últimos grandes remanescentes íntegros do bioma na Região Sul (Atualização: o leitor Alberto Wild corrige este dado. Seriam 17 mil m² se a estrada fosse de apenas um metro de largura; se forem 10 metros, serão 170 mil m² de desmatamento, ou 17 hectares).
5 – A Estrada do Colono não promoverá conservação e nem incentivará o turismo regional, pois não liga atrativos significativos ao principal fluxo turístico rumo ao Parque Nacional do Iguaçu.
6 – Historicamente, a Estrada do Colono sempre levou crimes ambientais ao interior do Parque Nacional do Iguaçu, como caça, pesca, queimadas, desmatamento e atropelamento de animais.
7 – A Polícia Federal não recomenda a abertura da Estrada do Colono, pois reconhece o risco que ela oferece à segurança fronteiriça entre Brasil, Argentina e Paraguai.
8 – O Parque Nacional do Iguaçu foi listado pelas Nações Unidas como sítio ameaçado do Patrimônio Mundial Natural entre 1999 e 2001, justamente pela tentativa de abertura da Estrada do Colono. Outra ameaça ao título internacional se dá agora com o licenciamento da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu (já concretizada. Era projeto no tempo em que o decálogo foi divulgado).
9 – Por meio do ICMS Ecológico, o Parque Nacional do Iguaçu repassa todo ano cerca de R$ 9 milhões a municípios no seu entorno, e arrecada R$ 17 milhões anuais com ingressos pagos pelos mais de 1,5 milhões de visitantes.
10 – Abrir a Estrada do Colono é um grave risco não apenas à integridade do Parque Nacional do Iguaçu, mas também à imagem do Brasil junto à Comunidade Internacional, com a qual o país mantém uma série de compromissos ambientais, sociais e econômicos.
Pra variar, “estrada-parque” é coisa criada pelos gringos, mas muito diferente do que se pretende no Brasil. As “parkways”, explica o biólogo e doutor em Ecologia João Madeira, do ICMBio, em artigo publicado em 2013 no site “O Eco”, foram construídas para proporcionar o desfrute de uma bela paisagem pelos viajantes. No Brasil, quando se fala em estrada-parque, é sempre pra ligar localidades, o que é totalmente diferente do conceito americano.
Por sinal, nos Estados Unidos, ninguém ousa propor que uma estrada corte um dos parques nacionais, criados para preservação da natureza e ponto final. Eles, os americanos, também foram pioneiros nisso.
O biólogo cita como melhor exemplo da ideia original de “parkway” a primeira concebida e criada nos Estados Unidos, a Blue Ridge Parkway (BRP), de 1930, mas concluída 50 anos depois. Sua área é de cerca de 38 hectares, o que, considerando que sua extensão é de cerca de 750 km, significa que ela protege uma faixa de aproximadamente 250m para cada lado da pista (Atualização: o leitor Alberto Wild diz que, multiplicando 750 km por 250m, a área protegida é muito maior que a informada pelo biólogo. Feita a conta, deu 187 hectares. É isso?);
“A extensão é grande, visível mesmo em um mapa de todo o país, mas a área protegida é pequena. Apesar da longa tradição norte-americana na gestão de áreas protegidas, um dos problemas das parkways é que seu grande atrativo são as paisagens que estão, em sua maior parte, fora desta faixa protegida, embora visíveis dela. Assim, as fazendas da região podem criar um problema para o National Park Service se decidirem, por exemplo, modernizar suas práticas, o que pode ter impactos sobre a bucólica paisagem tradicional que motivou, juntamente com a beleza da natureza local, a criação da parkway”.
Portanto, estrada-parque, pelo conceito original, não serve pra escoar produção e ligar cidades. Nela não circulam veículos comerciais, por exemplo, e a fiscalização é rigorosa.
No Parque Nacional do Iguaçu, mesmo com todo empenho dos guardas-florestais, ainda se pratica a caça de animais selvagens, ainda se retira madeira, ainda se devasta. Como ficará, então, com a reabertura da Estrada do Colono? A se pensar e, se for o caso, a se manifestar. Ainda dá tempo.
___________________________ (*) Cláudio Dalla Benetta é jornalista em Foz do Iguaçu, Pr. Articulista do portal H2Foz. Texto reproduzido em 22/02/2019 – 16 horas.
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