Machado de Assis, Luiz Gama, José do Patrocínio e outros negros livres se articularam para incidir na defesa da cidadania da população afrodescendente em âmbito político-cultural, e antes do famoso 13 de Maio.O cenário de movimentação no debate público por parte de pessoas livres “de cor” no Brasil do século 19, seu papel para as discussões e ações de liberdade, combate ao preconceito, resistência e diálogo, é o que descortina a pesquisadora Ana Flávia Magalhães Pinto, no livro “Escritos de liberdade: Literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista” (ed. Unicamp), em lançamento em diversas capitais do país. Pós-doutora em história pela Universidade de Campinas e professora do Departamento de História da Universidade de Brasília, Magalhães Pinto conversou com o Preta, Preto, Pretinhos sobre os propósitos, reflexões e ensinamentos deixados por essa investigação e que estão refletidos na sua obra:
PPP – Que ensinamentos a comunidade negra brasileira pode obter, para sua ação nos dias de hoje, através da análise dos escritos desses literatos no Brasil oitocentista? O que surge, a partir do contato com essa produção?Ana Flávia Magalhães Pinto – A principal lição dada pela produção e trajetória dos literatos negros pesquisados é que a história da população de origem africana nesse país não se resume à escravidão, embora a violência racial legitimada a partir dela seja uma marca de nossa formação nacional. Esses sujeitos nos permitem pensar o Brasil a partir de lugares da liberdade que ainda hoje nos parecem estranhos. Eles nasceram livres em plena vigência do escravismo, acessaram o mundo das letras e da escrita num cenário de analfabetismo crônico e se firmaram em espaços políticos e culturais de prestígio nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mais do que figurar como sujeitos isolados, estabeleceram até mesmo vínculos diretos entre si em vários casos, marcando posição nas lutas abolicionistas e em defesa das promessas de cidadania. Quando se fala do 13 de Maio de 1888, a tendência é lembrar que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão e que isso explicaria o fato de a comunidade negra ser maioria entre os pobres. Acontece que, desde o início do século 19, o país respondia pela maior população negra livre e liberta das Américas. Por que sabemos tão pouco sobre essas pessoas? O livro, então, nos ajuda a ter elementos para dar algumas respostas.PPP – Como surgiu essa pesquisa? Que autores foram analisados e sob quais critérios?Ana Magalhães Pinto – O livro é fruto do meu doutorado em história, defendido no fim de 2014 na Unicamp. No mestrado eu havia feito uma pesquisa sobre jornais da imprensa negra no Brasil do século 19, trabalho que foi publicado pela Selo Negro em 2010. Entre as várias questões que me acompanharam, estava a curiosidade sobre a viabilidade dos sujeitos que foram capazes de produzir aqueles periódicos e vários outros. A partir disso, passei a me dedicar a investigar sobre a trajetória de um conjunto de homens negros, livres e letrados atuantes na imprensa e em outros espaços político-culturais de São Paulo e do Rio de Janeiro na segunda metade do século 19. Nesse momento, a proposta era apenas refletir sobre perfis individuais distintos, mas a pesquisa me levou ao reconhecimento de uma dinâmica de relações diretas e indiretas entre vários deles, marcando influências e conexões entre cidades e gerações. Assim, embora os sete personagens principais da narrativa do livro sejam Luiz Gama, Machado de Assis, José Ferreira de Menezes, José do Patrocínio, Arthur Carlos, Ignácio de Araújo Lima e Theophilo Dias de Castro, eu acabo lidando com uma grande quantidade de indivíduos que circulavam nos jornais, parlamentos, tribunais, teatros, escolas, faculdades, irmandades religiosas etc. Tudo muito à vista dos habitantes das cidades.
________________________Da página Preta, preto, pretinhos
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.