Publicado originalmente no site Pressenza, em 2020. Este artigo também está disponível em: Espanhol, Francês e Italiano . . . Texto e fotos de Loretta Emiri (*) Na língua yãnomamè, que é uma das seis que fazem parte da família linguística yanomami, a palavra “utu” significa sombra, e também espírito. Na cultura yanomami qualquer coisa possui um espírito, sejam objetos, animais ou elementos da natureza. Quando alguém morre, com ele deve desaparecer tudo aquilo que lhe pertenceu: os bens materiais são destruídos ou queimados, destruída é a roça, queimados os abrigos de caça, apagados os rastros. Depois do contato com o homem branco, por extensão o termo “utu” passou a ser utilizado para indicar fotografia, slide, imagem reproduzida. Durante os quatro anos e meio vividos entre eles, bati relativamente poucas fotos. Os yanomami não gostavam de ser fotografados porque temiam que os autores e detentores das fotografias não respeitassem o tabu cultural, muito sentido na época, segundo o qual, se ficasse uma só foto, o espírito do morto não poderia alcançar a dimensão que eles chamam de “terra de cima”. As nove imagens aqui reunidas remontam ao final dos anos setenta e começo dos anos oitenta do século passado. Poderiam ser olhadas com interesse científico sendo um registro etno-fotográfico, mas as proponho por razões sentimentais: eu tomei a decisão de ir trabalhar com os yanomami depois que fui seduzida por belas e intrigantes fotografias realizadas por quem entre eles já atuava. . . Espero que os observadores das minhas fotos possam ir além da aparência, além das formas. Gostaria que vissem os yanomami assim como eu os vejo: mulheres, meninos, homens, velhos em atitudes simples, cotidianas, em nada inferiores a ninguém, apenas diferentes em sua especificidade cultural; seres humanos sempre ameaçados de genocídio e etnocídio pelo homem branco que quer aculturá-los, evangeliza-los, destruir florestas, saquear subsolos em nome de uma pretensa superioridade cultural. Às vezes, até a imprensa agride os indígenas, quando utiliza chavões, termos banais, superficiais, folclóricos, preconceituosos, sensacionalistas. Se tivéssemos a humildade de escutar os yanomami, de observar sua sagrada relação com a natureza e com todos os espíritos que a compõem, deixaríamos de nos encher a boca com a palavra “ecologia”, que para os ocidentais é um mero termo à moda. Para os yanomami, e demais povos indígenas, “ecologia” é um estilo de vida, evidência comprovada pelo fato deles terem preservado intacta a floresta amazônica até os nossos dias. . . . LEIA TAMBÉM DE LORETTA EMIRI: . A importância da fotografia na minha vida . Homens de Pedra – Homens de BARRO, um poema e uma fotografia . “Guarani”