Durante todo o dia, serão apresentados 20 trabalhos desenvolvidos por estudantes do Programa de Pós-Graduação em Biociência (mestrado) e de graduação (trabalho de conclusão de curso) que utilizaram extrato de cannabis e substâncias psicodélicas em suas pesquisas. Entre as doenças e condições estudadas estão epilepsia, depressão, câncer, insônia, Alzheimer, autismo e psoríase. São estudos realizados com humanos e com animais como cães e gatos. Confira a programação completa.
A osteoartrite é uma doença comum em cães idosos, causando dor, redução de locomoção e da interação. Na pesquisa, dos 24 animais estudados, metade recebeu extrato de cannabis e a outra metade, placebo. “Temos poucas análises ainda dos dados levantados, mas o que já percebemos é que, em relação à dor e qualidade de vida, os animais que receberam o extrato tiveram uma melhora significativa. É muito nítida a diferença entre o grupo que recebeu extrato e o que recebeu placebo”, comenta a autora do estudo, Neide Maria Griebeler. Os cães que receberam placebo, passaram a tomar o extrato e, após 90 dias de uso, serão reavaliados.
Os dados em análise dizem respeito ao relato dos tutores em relação ao tratamento. Os sinais clínicos seguem em avaliação e, em breve, serão realizados exames de sangue para determinar os efeitos físicos do tratamento e se houve melhora na inflamação. “Estudos indicam o efeito anti-inflamatório da cannabis, mas isso, nesta pesquisa, só será possível constatar após a dosagem de sangue”, diz o professor Francisney Nascimento, coordenador do Laboratório de Cannabis Medicinal e Ciência Psicodélica da Unila, que realiza pesquisas sobre atividades farmacológicas da cannabis e substâncias psicodélica em doenças neurológicas, reumatológicas e psiquiátricas.
Outro estudo que será apresentado relaciona-se ao uso do extrato de cannabis para a redução dos efeitos adversos da quimioterapia em um paciente de 75 anos. O paciente apresentou melhora das reações provocadas pela quimioterapia: menos dores, náuseas, vômitos e tonturas. Houve também melhora do apetite, e o consequente ganho de peso, e mudança no quadro de depressão. “A chance do uso da cannabis não dar certo como paliativo é muito pequena. A cannabis, em quase todas as situações, aumenta o apetite, reduz a dor e as náuseas. E isso com doses muito baixas, que não provocam efeitos indesejados. É muito seguro e tem uma eficácia muita alta”, discorre Nascimento.
Para ele, tratamentos paliativos e pesquisas nessa área deveriam receber mais atenção no Brasil. “Essa é uma área que está apenas engatinhando. Esse tratamento teve uma importância muito grande porque melhorou a qualidade de vida do paciente. Para o paciente terminal é preciso garantir a qualidade de vida, permitir que ele esteja com a família e aproveite o tempo que ainda tem”, diz.
No evento desta sexta, também será apresentada uma pesquisa que avaliou o luto patológico, aquele que ultrapassa o período considerado normal, em cinco pacientes. O estudo foi realizado em 2019, com o uso da ayahuasca, considerada uma substância psicodélica e utilizada com fins religiosos no Brasil. Os pacientes usaram a substância durante uma única sessão controlada – com a presença de profissionais da medicina, psicologia e enfermagem. Os relatos posteriores dos pacientes mostraram uma mudança positiva. Agora, um novo estudo quantitativo e qualitativo reavaliou esses pacientes.
Vítor Guedes Pereira, mestrando em Biociências, explica que foram avaliados a severidade do luto, depressão, qualidade de vida, prejuízos do sono e a ressignificação de perdas, por meio de questionários. Também foi realizada uma entrevista semi-estruturada para saber como estava o processo do luto, como a ayahuasca ajudou no processo e quais as mudanças sentidas.
Para analisar o discurso dos pacientes, o mestrando utilizou a teoria Embark (psicoterapia assistida por psicodélicos). “É uma modalidade nova de psicoterapia com psicodélicos”, explica. Nessa teoria, diz ele, são propostos seis principais domínios que fazem as pessoas melhorarem com os psicodélicos: existencial/espiritual, relacional, atenção plena, consciência corporal, mudanças afetivas e mudanças cognitivas.
“Os resultados indicaram mudanças significativas nos participantes, sugerindo uma influência positiva da ayahuasca por meio dos mecanismos terapêuticos do modelo Embark”, aponta Vítor. Segundo ele, os domínios existencial-espiritual e relacional foram os que mais se destacaram “revelando conteúdos psicológicos profundos e contribuindo para a ressignificação positiva das perdas”.
Nascimento explica que a ayahuasca e outras substâncias psicodélicas causam alterações auditivas e visuais que aumentam muito a serotonina, assim como os antidepressivos “normais”. “O diferencial é que as pessoas reportam o efeito sentido como uma intensa psicoterapia, de anos, de uma vez só.”
As substâncias psicodélicas trabalham com memórias aversivas, pontua o docente. “Fazem novas conexões, um desarranjo, a dessincronização neuronal. As nossas memórias ou problemas estão gravados em conexões específicas. Quando alguém toma um psicodélico, conecta com outra coisa, tem outras visões e percepções. É como se fosse um reset de memórias aversivas. Aceitar, entender, ressignificar o problema. É isso que essas drogas fazem”, explica.
Nos casos avaliados com a ayahuasca, foi seguido um protocolo que incluiu avaliação médica, preparações com psicólogo antes da sessão e orientações durante o processo. No próximo ano, esse mesmo protocolo será utilizado para um estudo com 40 pacientes que farão uso da psilocibina, uma substância presente em cogumelos. “Será o primeiro desse tipo no Brasil”, afirma, lembrando que o protocolo em questão é usado em estudos conduzidos em vários lugares no mundo.
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