Deserto de Atacama (foto: divulgação)
O Atacama é o deserto mais árido do mundo. Fica no norte do Chile e, por causa da sua altitude, as nuvens úmidas nunca chegam ao seu território. O Atacama tem temperaturas incríveis: 0 grau de noite, 40 de dia. E atrai todo tipo de pessoas fotógrafos, astrônomos, cientistas, jornalistas, motociclistas, aventureiros. Eles se cruzam numa cidade a 2.400 metros de altitude: São Pedro do Atacama, um oásis que tem vinho e hospedagem.
Estou falando do Atacama porque estive lá, a 2.400 metros de altura.
Mas meu deserto era uma paisagem interior para onde migramos quando a nossa vida pede recolhimento, uma conversa interna que não pode ser substituída por diálogos nem mesmo com o melhor amigo. É possível que nosso monólogo não nos leve a lugar algum e que voltemos à vida apenas como nômades, de passagem. Voltamos ao Atacama porque muitas vezes nos sentimos no deserto onde, por incrível que pareça, descobrimos beleza na paisagem árida. Foi assim que descobri o Valle de la Luna, um cenário perdido em minha alma, um cartão-postal de areias alaranjadas e uma grande lua, como as lembranças que espanamos e delas saltam situações inverossímeis. Resolvi falar sobre isso, embora seja difícil contar o que se passa.
Nos sentimos no Atacama quando falamos e ninguém escuta.
Nos sentimos no Atacama quando o nosso melhor amigo parece outra pessoa.
Nos sentimos no Atacama quando a noite é uma confluência de estrelas frias.
Nos sentimos no Atacama quando mergulhamos e não trazemos nenhum peixe no bico.
Nos sentimos no Atacama quando não há alimento e o ar é pesado e rarefeito.
Nos sentimos no Atacama quando sufocamos devido à nossa própria altitude.
Nos sentimos no Atacama quando o sonho não cabe na realidade.
Nos sentimos no Atacama quando somos surpreendidos pela mudança do vento que carrega para longe nossas mais íntimas verdades.
Nos sentimos no Atacama quando não chove sobre nossos planos.
Nos sentimos no Atacama quando as ternuras se desmancham.
Nos sentimos no Atacama quando o silêncio é antigo e a palavra fica suspensa por tempo indeterminado.
Nos sentimos no Atacama quando não há sinais de satélite e a comunicação não atravessa as barreiras.
– Nos sentimos no Atacama quando a poesia é decantada como um licor que não se toma.
Só voltamos do Atacama quando a gente se embriaga da esperança e arruma as mochilas para viajar para o Sul. É lá, na confluência da civilização com a primitividade, que nos descobrimos herdeiros da extrema angústia que plana sobre a beleza solitária do Valle de la Luna. Porque a solidão pode ser assim, uma paisagem surpreendente.
Então, a vida supera a aridez e nos faz descer das montanhas, como um lagarto queimado pelo sol. Eu não fui ao Atacama, mas cruzei a terra árida e hoje volto nômade de mim. Preciso refazer as rotas com mais força e menos delicadeza. Renda-de-bilro espetada na flor do mandacaru.
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