Canteiro de obras, um “formigueiro humano” para construir a usina – foto: Reprodução/Acervo Itaipu Binacional – Fotos da Usina
ESPECIAL MEMÓRIAS De H2Foz / Por Paulo Bogler
“Fez parte desta obra”. Singela e curta, a frase junto a cada fotografia tem o significado de resgatar, valorizar e inserir pessoas de carne e osso na história de um empreendimento gigantesco, erguido a concreto e aço: a Itaipu Binacional. São memórias de barrageiros reunidas e compartilhadas sob a gestão de João Thomazi, em canal nas redes sociais.
São cerca de 10 mil fotografias compiladas no grupo público do Facebook “Itaipu Binacional – Fotos da Usina”, de diferentes épocas da edificação monumental, que no auge manteve perto de 40 mil trabalhadores. Canteiro de obras, refeitório, times esportivos, serviço de saúde, festas e momentos emblemáticos da engenheira são registrados.
A proposta é dar visibilidade aos trabalhadores que, atraídos de todos os cantos do Brasil e do Paraguai, foram os responsáveis por construir, sol a sol, a usina binacional. Em grandes realizações, é de costume, descerrada a fita de inauguração e findo o discurso oficial, o que se passa a propagandear sãos os feitos dos que frequentam cúpulas e palácios.
Nascido em Lins (SP), em junho de 1960, João Thomazi trabalhou por quinze anos na obra, entre 1982 e 1997. “Aceitei o convite para trabalhar na Itaipu buscando uma vida melhor, e vim atrás da oportunidade. Entrei na usina em uma empreiteira chamada Engetest, como Inspetor técnico” relembra.
Trabalhadores da área de segurança com a obra monumental ao fundo – foto: Reprodução/Acervo Itaipu Binacional – Fotos da Usina
O DNA de barrageiro contribuiu para decisão do recém-formado técnico em eletrotécnica. Se pai, Rubens Thomazi, o Rubão, já era empregado da Itaipu, com experiência em várias outras usinas brasileiras, como Ilha Solteira (SP), Jupiá (MS) e Promissão (SP), e indiciou o que seria uma oportunidade profissional.
O grupo que partilha o acervo de memórias da construção da Itaipu Binacional soma o expressivo número de 10,5 mil membros. Assim como a publicação de fotografias, documentos, vídeos e lembranças são constantes, a inclusão de participantes também não para, de modo orgânico, uma rede formada espontaneamente.
A ideia de recolher as fotografias surgiu após sair da empresa, pois a obra não saía dos assuntos entre os amigos. Na época, João Thomazi montou uma firma de manutenção, que prestava serviços para a Copel, e depois abriu um bar na região da Vila A, frequentado por muitos ex-barrageiros, explica.
Mulheres representadas nas olimpíadas internas da Itaipu – Foto: Reprodução/Acervo Itaipu Binacional – Fotos da Usina
As reminiscências do canteiro de obras impulsionaram a criação do acervo, que ocorreu em 2013. “Via que muitos desses trabalhadores tinham foto ou recordação da obra, ou do Floresta [clube de empregados e familiares da Itaipu], que estavam em suas gavetas praticamente perdidas, pois, para quem mostrar?”, contextualiza.
Das gavetas para redes foi um processo rápido. “Criei o grupo para poder mostrar essas fotos para meus conhecidos e para aqueles que tinham curiosidade de ver como foi a construção da obra”, destaca João. Primeiro, visava a ser somente recordação mais pessoal, agrupando as imagens de trabalhadores e atividades laborais de diferentes áreas.
“Pois assim a gente teria uma visão geral da obra, de como funcionava e onde trabalhavam os funcionários. Pois só falar para os outros não conseguíamos mostrar tão grande era”, narra. Rapidamente, começaram a chegar os registros de várias pessoas, tanto de ex-funcionários quanto de seus familiares.
Nas fotografias publicadas, é comum que pessoas comentem e assinalem amigos ou parentes, informem detalhes do registro e, claro, demonstrem muita saudade. O trabalho voluntário contribui para juntar pessoas, colocando-as em contato, demonstrando que o resgate e a valorização da memória impulsionam a solidariedade e a interação humanas.
Na área de recreação, trabalhadores assistem Brasil e Argentina, que terminou em 2 a 2 – Fotos da Usina
As primeiras fotos publicadas no grupo foram as realizadas pelo seu Rubão, pois no tempo de construção da usina, nas décadas de 1.970 e 1.980, apesar de todo o aparato tecnológico envolvido, ainda não havia a facilidade do celular, como hoje. “Era preciso ter uma máquina fotográfica”, rememora João Thomazi.
O volume cresceu. “Hoje, muitas pessoas mandam suas recordações. O mais interessante é que familiares dos ex-trabalhadores pedem para registrar que o pai, avô, tio ou o irmão também trabalhou na obra.
Famoso “papa-fila” da empresa Unicon, para o transporte de barrageiros foto: Reprodução/Acervo Itaipu Binacional – Fotos da Usina
Ficam super orgulhosos”, sublinha. “Muitos deles já são falecidos, mas o pedido dos parentes é como se fosse uma homenagem pelo tanto que trabalharam para a Itaipu ser uma realidade”, completa.
Show da Gretchen para público majoritariamente de barrageiros, no Salão de Molas, o “Trevão”, na entrada da Vila A – foto: Reprodução/Acervo Itaipu Binacional – Fotos da Usina
Sem recursos técnicos, o memorialista deixou de armazenar o conteúdo no computador, que não suportava mais tamanho volume de dados. Hoje, o construtor garimpa as imagens e as passa do celular à rede social, não mantendo arquivos digitais nem físicos. “Faço de forma artesanal, por gostar dessas lembranças”, declara.
Vão para o grupo de fotografia apenas as que podem ser comprovadas a autoria ou a guarda, como nos casos de arquivo familiar. “Quando consigo verificar quem é o autor da foto, sempre informo o nome da pessoa. E o mesmo vale para os casos de acervos, cito a fonte do material”, expõe João Thomazi.
Trabalhadores que atuaram na construção da Itaipu Binacional deram uma contribuição não apenas em mão de obra para pôr em funcionamento a usina que mais acumulou energia elétrica produzida no mundo até aqui. Esse movimento humano na região ajudou a promover trocas socais e culturais.
Quanto ao reconhecimento, João Thomazi avalia que ficou um grande hiato entre o poder público e a massa trabalhadora “que se orgulha de ter feito parte dessa história”, pontua. “Diretamente para os ex-funcionários nada de grandioso foi feito”, reflete, citando que certa vez pediu apoio à usina para promover um encontro dos profissionais, ideia que não foi nem considerada.
“Acho o trabalho do Ecomuseu importante. Sei que a Itaipu Binacional tem lá um espaço dos barrageiros. Mas isso é muito restrito, muito formal, não cativa essa classe que foi tão importante”, reflete. “Falta algo voltado aos trabalhadores. Teria muitas sugestões e relatos de coisas que já estão ocorrendo”, afirma.
Entre as ideias, diz, é de acordo que a Vila A receba um monumento alusivo à contribuição dos barrageiros.
Refeitório servia diariamente milhares de refeições – foto: Reprodução/Acervo Itaipu Binacional – Fotos da Usina
“O tempo está passando, muitos de nós já não estão aqui e sim na memória dos seus familiares”, adverte, enfatizando a importância da valorização da história e homenagens dignas em reconhecimento ao trabalho de homens e mulheres que construíram a Itaipu.
Operários trabalham da composição de ferragens da obra – Reprodução fotos da Usina
Enquanto garimpa e compartilha as fotografias de colegas de obra, João Thomazi organiza outro encontro presencial para ex-funcionários, mais especificamente para quem atuou no almoxarifado. A reunião de velhos amigos traz pessoas de vários estados do Brasil, e está prevista para novembro deste ano.
. Itaipu Binacional – Fotos da Usina . Grupo criado para valorizar as memórias e o papel dos barrageiros . Clique aqui e visite o grupo especial no Facebook.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.