A família reunida, em entrevista à Nelson Figueira, produtor da série “Vídeo Matérias”, da Unila – Imagem: captura de tela
Colombiana de ascendência indígena desana, a Família Naranjo Holguín vive o que possivelmente poderia se chamar de saga. Formada por três mulheres e um homem – pela matriarca, Gloria Inês Holguín; suas filhas, Raquel (23 anos) e Sariah Naranjo (19); e pelo filho, Camilo Naranjo (25) – a família chegou à UNILA depois de viver uma perda: a morte da mais velha Yenifer (Yeni), em um acidente. Não suficientemente a morte da primogênita, o grupo ainda teve que conviver com a incerteza: na longa viagem que os traria até Foz do Iguaçu, Sariah contraiu dengue hemorrágica e permaneceu internada por dias. Houve ainda a necessidade de deixar de lado sonhos, para que outros membros da família pudessem realizar os sonhos deles. Mas tudo isso fortaleceu ainda mais o grupo e, hoje, todos são discentes da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Instituição que mudou suas vidas. (Continua após o vídeo).
Para conhecer melhor esta família unileira, é preciso retroceder até 2018. Quem narra como tudo aconteceu é Raquel, que confessa sempre ter tido gosto pelos estudos. “É uma história muito louca”, brinca a hoje discente de Letras – Espanhol e Português como Línguas Estrangeiras. “Eu estava terminando o Ensino Médio. Tinha ganhado uma bolsa, pois na Colômbia o ensino superior não é gratuito, e achava que era a minha única chance de estudar”, relembra. No entanto, a bolsa acabou sendo retirada de Raquel e repassada a outra aluna, deixando-a sem poder frequentar.
A saída foi se inscrever em um curso técnico em Química, já que ela gostava de Medicina e viu ali uma certa proximidade. “Triste e decepcionada”, como conta a Inês, Raquel buscava, em 2020, uma nova bolsa, quando encontrou a UNILA. “Eu vi a UNILA na internet. Mas tinha tanta coisa boa que eu achava que era mentira”, recorda, entre risos. “Eu perguntava: ‘será?’… Mas minha mãe disse: ‘vá com cuidado, mas vá, né?’.”
A família chegando ao campus da Unila em Foz do Iguaçu – Imagens: captura de tela
Ao se inscrever, Raquel acabou deixando de lado Medicina para beneficiar Camilo, que desde criança teve o desejo de estudar Arquitetura. “Ele é mais velho e Medicina não era uma coisa que eu sempre quis fazer, diferentemente dele [que sempre sonhou ser arquiteto]. Então, resolvi fazer um curso à noite, pois até então [na Colômbia] não conhecia como era aqui. Agora até penso que poderia ter feito Medicina [um curso em período integral], pois eu não sabia como era aqui. Mas resolvi fazer um curso à noite”. Aconselhada pela mãe, ela optou por Letras, já que produz poesias, sempre teve gosto pela literatura e escreve canções. Inscritos no processo seletivo da UNILA, em 2020, Raquel e Camilo foram aprovados. “Graças a minha mãe, eu encontrei meu curso. Foi a melhor coisa”, reforça a discente.
À época, a mãe e Sariah eram beneficiadas por bolsas, obtidas graças ao fato de a matriarca ser uma defensora dos direitos humanos, atuando como líder comunal. “Fazíamos Administração Pública, mas não parecia justo”, explica Glória. A injustiça residia no fato de, enquanto ela e Sariah, muito mais jovem, já frequentavam a universidade, Camilo e Raquel, mais velhos, não. “Eu saí da escola [do Ensino Médio] aos 15 anos e comecei a estudar [na universidade] com 16. Então, para a gente era um pouco injusto que eu tinha as coisas mais rápidas do que eles, que eram mais velhos”, explica Sariah.
Feita a opção de abdicar em nome dos demais, restava à Família Naranjo Holguín planejar a viagem – ocorrida entre 2021 e 2022 – em que todos viriam para Foz do Iguaçu. Como era Natal, e Yeni estava na Colômbia, em férias da universidade, todos resolveram visitá-la antes de partir. “Foi a última vez que nós a vimos”, lamenta Glória, pois posteriormente, em 2022, a primogênita morreria em um acidente, no Panamá.
A visita a Yeni foi dividida por uma volta às origens, pois eles decidiram visitar também os familiares de Glória, indígenas desana que vivem entre Brasil e Colômbia. “Meu avô era indígena e minha avó era brasileira [de origem indígena]. Eu havia pesquisado muito a história deles. Eles foram desalojados e tiveram de ir para Colômbia, porque grupos com armas, grupos ilegais, os expulsaram”, narra Glória. A permanência com os parentes também foi uma forma de se manter bem na região Amazônica por meses, já que seria difícil para eles pagar aluguel.
Encerradas as visitas, todos iniciaram a viagem: “Eu quero dizer que a gente acreditava que seria mais fácil”, resume Camilo, entre risos.
Os obstáculos surgiram quando chegaram a San José del Guaviare, capital do Departamento de Guaviare, e souberam que o percurso até Letícia, cidade colombiana na fronteira com o Brasil, só poderia ser feito de avião. Para isso, teriam que esperar 20 dias.
Finalmente em Leticia, os Naranjo Holguín sofreram mais um revés: Sariah contraiu dengue, em sua forma agravada (hemorrágica), e teve de permanecer internada por 15 dias. “Para piorar, tive uma reação alérgica ao remédio contra enjoo. Fiquei inchada e meu coração parou por uns segundos”, conta. Nesta época, ainda em 2021, em razão da pandemia, os já matriculados na UNILA Camilo e Raquel tinham suas aulas de forma remota. Como não possuíam internet em Leticia, ambos perderam o primeiro semestre.
Após a recuperação de Sariah, a viagem recomeçou, e a família conseguiu chegar a Tabatinga (AM), de onde partiu em um trajeto de seis dias de barco até Manaus – cidade em que permaneceram por mais dois dias. Da capital do Amazonas, todos seguiram para Porto Velho (RO), de onde partiram de ônibus até Cuiabá. Da capital mato-grossense, vieram até Cascavel e, da cidade vizinha, para Foz do Iguaçu. Como a viagem foi longa, o dinheiro acabou por ser pouco, o que obrigou a família até mesmo a ficar sem comer. “O bom é que o ônibus tinha água”, contam.
Gloria, a mãe, cursa Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar, onde é colega da filha Sariah
Desde a chegada na UNILA, em abril de 2022, até atualmente, muito mudou. Se Raquel e Camilo estão adiantados nos estudos, o mesmo pode-se dizer de Sariah e Glória, ambas discentes de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar. A vocação de trabalhos comunitários, vinda da matriarca, também segue sendo uma tônica na família, que teve na Universidade uma nova vida: “Para mim estar na UNILA é uma oportunidade de ver o mundo de diferentes formas”, avalia Camilo. “Para mim é um sonho poder estudar com a minha família”, complementa Sariah.
Já para Raquel, “estar na UNILA significa, além de um sonho, uma oportunidade e um estilo de vida”. Frases que são resumidas pela matriarca, Glória: “Para mim, estar na UNILA é vida, saúde e sobretudo exemplos para minhas filhas e para meu filho”, encerra.
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