Meu tio amanheceu morto. A casa foi lacrada pelo serviço sanitário. Ninguém podia sair nem entrar. Dentro ficou meu pai, minha mãe, minha tia, a Avó Teresa, eu e meus 4 irmãos. Meu pai tirou a roupa, ficou só de cuecas, colocou o revólver em cima da mesa e falou que quem tivesse febre pegasse a arma e atirasse em sua própria cabeça. Se não fizesse ele atiraria. Minha mãe começou com febre e manchas negras nos pés. A febre aumentou, manchas vermelhas apareceram por todo o corpo. Depois de 4 dias, chorando de dor, ela morreu amamentando minha irmã de três meses. Meu pai enrolou a minha mãe em um lençol e a colocou na porta. Vi dois homens carregarem o pacote branco. O meu pai andava pela casa falando alto. Não consigo entender o que ele diz. Olho para seus pés e vejo manchas negras, olho para seus braços e vejo manchas no rosto também. Ele fica parado olhando para mim, acho que vai fazer algo. Depois deita no chão e para de respirar. Lembro que pulamos a janela da nossa casa, corremos para a Estação e entramos no Trem. Em Curitiba a policia nos esperava na saída do trem. Nos levaram para um quarto de Hotel na frente da estação e lá, meus irmãos, minha tia e a Vó Teresa, fomos fechados em um quarto. Alguém batia na porta e Vó Teresa abria, mas não tinha ninguém, só um prato de comida no chão. Tinham medo da peste, tinham medo de nós. Essa sensação de gerar asco nos outros, trago comigo até hoje. Sou filha da Peste do Rato, da Peste Bubônica e de todo o ressentimento por ela gerado em mim.
_________________________Denise de Camargo é doutora em Psicologia na cidade de Curitiba, Pr.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.