Londrina, 1934 – Foto: reprodução
“Escrevemos nossa história nessas ruas, caro doutor. Essa foi nossa grandeza.”
O major voltou ao tom pomposo. Heracles demorou uns segundos antes de comentar. Arrumou os óculos com as mãos esguias em pequenos movimentos rápidos, nervosos. Falou sem olhar para o major, com seu jeito melancólico:
“Uma história escrita sobre o pó e sujeita à inconstância dos ventos, major. Ao contrário do que diz, foi a cidade com seus desejos caóticos que, com ferro em brasa, imprimiu suas marcas em nós. Somos seus filhos e não genitores.”
Eles estavam novamente na pracinha da igreja. E não estavam sós. Os desocupados, os velhos aposentados e mães com crianças povoavam a praça durante a manhã. Um refúgio à margem da vida corrida e barulhenta do centro da cidade. Desde que voltou, o major e o médico passavam horas sob a sombra protetora das árvores. Conversavam e divergiam, como sempre.
“Você enxerga o mundo com lentes distorcidas por sua enorme soberba. Talvez tenha se esquecido de que os viventes daqui teceram seus dias com os fios grosseiros do trabalho bruto. Lavraram a terra em intermináveis madrugadas, alternaram colheitas fartas e anos de carestia. Uns prosperaram, muitos foram à ruína. Não precisavam de heróis, de um Moisés a conduzi-los pelo deserto. Naqueles tempos tão duros, eles teriam conduzido Moisés.”
“Mas, e nós…?”
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