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Ateliê improvisado por Giane Lessa durante a quarentena da pandemia. (Foto: Giane Lessa)
. “Sempre fui fascinada pela pintura, pela plasticidade, pelas cores. Cheguei a cursar dois anos e meio do curso de Pintura da Escola Nacional de Belas Artes, dos dezessete aos dezenove anos de idade, no comecinho dos anos 80. Era uma época em que o Rio de Janeiro abrigava um intenso movimento de arte, logo após a anistia. Os artistas que se haviam exilado retornavam do exterior, exibiam seus trabalhos e davam aulas. A FUNARTE oferecia uma infinidade de cursos interdisciplinares e gratuitos sobre cultura brasileira, temas transversais como o olhar, o desejo, os diversos sentidos da música em várias culturas do planeta etc.
. . O Museu de Arte Moderna borbulhava com exposições, projeção de filmes, palestras e cursos de pintura, desenho de modelo vivo, fotogravura, xilogravura, gravura em metal, filosofia da arte, fotografia etc. A cidade estava povoada de concertos, exposições, peças de teatro e tantas outras manifestações artísticas. Eu abandonei a Escola Nacional de Belas Artes e fui ser monitora no Museu de Arte Moderna – essa era a única forma que me permitia fazer cursos de pintura, desenho artístico, pastel a óleo etc., já que o custo de cada curso era muito alto. Lá, permaneci dois anos, por ocasião do fechamento do museu para obras. Em casa, me diziam que pintura “era coisa pra rico”, “como é que eu ia viver de arte”. Então, por esses e outros motivos, após desenhar, pintar e fotografar intensamente, deixei tudo e decidi cursar letras na UFRJ. Dois anos depois, nasceu minha filha. Eu precisava ganhar para nosso sustento. Passei, então, praticamente 25 anos sem pintar. Raramente arriscava esboçar algum desenho. Dediquei-me a minha formação em Linguística aplicada, seguida de Memória social, sempre dando aulas de línguas. Ao chegar a Foz do Iguaçu, para trabalhar na UNILA, foram muitos apelos de ordem cultural, artística, estética e histórica. A confluência cultural e o entrecruzamento de experiências culturais desencadeados na universidade e seu entorno me impulsionaram e provocaram a necessidade de escrever, fotografar e, finalmente, pintar. As tentativas de pintar anteriores haviam sido frustradas. Sentia algo como “minhas mãos não me obedeciam”.
. No ano passado, entrei em contato com um amigo, artista plástico norte-americano, Jim ApRoberts, cuja obra me havia tocado profundamente há mais de dez anos. Californiano, Jim viveu em comunidades no México, trabalhando como paramédico. Pintou os desaparecidos, suas terras, num ato plástico que se desdobrava numa profusão de cores e plasticidade únicas. Acabei escrevendo poemas, dialogando com seus quadros carregados de memória. Seu estímulo foi fundamental para que eu tomasse coragem para enfrentar as minhas mãos tão desobedientes. Como soltar pipa, como andar de bicicleta, o impulso foi fundamental para continuar. Uma vez ocorrido, não consigo parar de pintar desde janeiro deste ano: fronteiras, pontes, encontros!!! Não posso deixar de mencionar o estímulo quase silencioso da Guatá, para publicar poemas, fotografias e alguns desenhos desde que cheguei a essas terras. E é a convite da revista, pois, que exponho alguns quadros que pintei, nesse retorno à cor. Só tenho a agradecer aos dois e a esta cidade que me acolheu. Muito obrigada!”
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