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Imagem: Pexels
Qual a importância de se estudar línguas não predominantes na atualidade? O professor José Marcos Mariani de Macedo, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, reforça a relevância do aprendizado da linguística fora do mainstream: “Cada língua tem especificidades que podem iluminar as demais línguas. Além disso, um estudo mais aprofundado da língua, em seu aspecto histórico e diacrônico, ilumina também os documentos da cultura”. Buscando expandir essa perspectiva, Macedo deu início ao Grupo de Estudos de Línguas Indo-Europeias Antigas (Geliea) no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, projeto que visa a aproximar estudantes e pesquisadores do que se chama de indo-europeística — o estudo das línguas indo-europeias.
Muitas dessas línguas, de atestação mais remota, são documentos religiosos ou poéticos. Então, a língua te dá acesso não só a ela própria, mas também à cultura, à antropologia e a vários outros fatores.”
Segundo o professor, o estudo da língua é uma porta de entrada, e sobretudo, um aprofundamento no conhecimento histórico e geográfico. “Estudar essas línguas envolve saber onde eram faladas e conhecer a geografia do local. No tocário, por exemplo, que é a língua de atestação mais a leste do globo, na China, é preciso entender como os documentos surgiram, porque eram sobretudo documentos de origem budista, e explicar a que eles dizem respeito”, explica.
Mas como aprender línguas que não possuem mais falantes? José Marcos afirma que a impossibilidade de intercâmbio com nativos realmente é um fator dificultante, que limita principalmente o conhecimento da pronúncia. Ainda assim, é possível se obter proficiência nas línguas indo-europeias, aponta o professor, dando como exemplo o hitita: “Você pode começar a aprender hitita lendo uma gramática e manuais introdutórios de aprendizados da língua. Depois de certo tempo, você pega um documento em hitita e consegue ler facilmente. A partir disso, é interessante fazer um estudo histórico da língua”.
Registros hititas – Imagem: Wikimedia Commons
O estudo histórico é considerado de extrema importância para os estudos, uma vez que “ao falar dos parâmetros históricos de uma língua, você tem conhecimento dessa língua e uma vasta leitura de tudo”, constata José Marcos. Além disso, o grupo também estuda a fonologia dos idiomas, fator que ele também considera importante para o conhecimento das línguas.
As línguas estudadas pelo grupo são muitas e administrar o aprendizado de tantas pode parecer complicado. O professor esclarece que não é necessário possuir um controle total da fala ou um conhecimento aprofundado de todas as línguas, mas afirma que a aquisição de mais uma língua é sempre mais simples do que foi a aquisição das anteriores. “Todo aquele esforço que você fez para adquirir uma dessas línguas indo-europeias tradicionais vai ser muito menor nas línguas posteriores”, pontua.
Por mais complexo que o estudo das línguas indo-europeias aparenta ser, José Marcos conta que, na verdade, essa área de pesquisa é muito cultivada ao redor do mundo. Essa percepção se deve, segundo ele, à falta de divulgação das pesquisas e à limitação de recursos dentro do Brasil.
O Grupo de Estudos de Línguas Indo-Europeias possui como principal objetivo fomentar as possíveis pesquisas individuais dos membros, explica o coordenador José Marcos. São realizadas atividades semestrais e anuais; a cada semestre, uma língua e um tema novo são apresentados ao grupo. Não há uma divisão seleta das línguas a serem estudadas por período de tempo, a escolha varia conforme as preferências dos alunos.
Livro Poesia e Mito Indo-Europeus, traduzido pelo grupo – Imagem: Reprodução/Editora Mnema
Um dos trabalhos de destaque realizados pelo Geliea foi a tradução do livro Poesia e Mito Indo-Europeus, escrito pelo britânico Martin West. Membros do grupo traduziram o conteúdo e o prefácio foi feito pelo professor José Marcos. O projeto também organiza encontros internacionais, que objetivam não somente divulgação, mas também o intercâmbio entre especialistas e estudantes.
. O grupo é aberto para toda a Universidade, independente do curso estudado. Também não é necessário possuir conhecimentos prévios sobre a área, basta entrar em contato com o grupo por meio do e-mail informado no site.
Seminários realizados pelo grupo – Imagem: Divulgação/Geliea
. “O contato com os assuntos estudados no grupo me fez saber das possibilidades do tipo de pesquisa que eu faço hoje. Sem ter tido esse contato com os estudos das línguas indo-europeias antigas, eu não teria escolhido meu atual objeto de pesquisa”, relata Alex Mazzanti, graduado em Letras na USP, com mestrado e doutorado em andamento em Letras Clássicas também na USP e membro do Geliea desde a fundação do projeto.
. Alex conta que sua participação no grupo reafirmou seu interesse em fazer pós-graduação e realizar pesquisas no meio acadêmico. Para ele, a oportunidade de entrar em contato com as línguas indo-europeias o ajudou a entender melhor seus estudos feitos na Universidade. “Além de tudo, é superinteressante conhecer outros elementos culturais e outras línguas”, acrescenta o estudante.
. Segundo ele, outro ponto estimulante do estudo da indo-europeística é a interdisciplinaridade da área, que não está restrita apenas a letras ou linguística. O tema se intersecciona com a arqueologia, a antropologia, etnografia e história antiga, por exemplo. “É uma área muito rica e sempre vai ter o que estudar”, diz.
Acompanhe as atividades do Grupo de Estudos de Línguas Indo-Europeias da FFLCH USP pelo site https://geliea.fflch.usp.br.
Alex Mazzanti – Imagem: Arquivo Pessoal
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