Com o tema “Ancestralidade e contemporaneidade”, tem início na terça-feira (26) o IX Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI). Mais de 2 mil universitários se encontrarão no evento, que ocorre na Unicamp até o dia 29 de julho. Oficinas, debates, simpósios temáticos, atividades culturais e formativas integram a programação, que reúne intelectuais, ativistas e artistas indígenas.
“Virão estudantes de todas as regiões do país. Eles serão acolhidos, e partilharemos nossos saberes a partir do aprendizado das aldeias e da Universidade. Nosso conhecimento também é uma fonte a ser compartilhada. É isso o que esperamos desse ENEI”, comenta a estudante de História da Unicamp Vera Lúcia, da etnia Tukano.
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Estudantes da Unicamp Arlindo Baré e Vera Lúcia integram a organização do evento (foto: Antoninho Perri / acervo pessoal)
Com recorde de inscritos, as proporções do evento são resultado de uma mobilização da organização, conforme Arlindo Baré, estudante de Engenharia Elétrica da Unicamp. “O ENEI tomou uma grande dimensão pelo momento que estamos vivendo e pelas parcerias que temos buscado, levando informações para os estudantes indígenas no Brasil inteiro”.
Evento pauta troca de conhecimentos
. O ENEI é realizado desde 2013. Desde a primeira edição, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o evento ocorre em diferentes instituições de ensino superior. Neste ano, a Unicamp sedia o encontro, que deve ficar registrado na história do movimento estudantil indígena. Isso porque, além do alto número de inscrições, comparecerão dezenas de lideranças indígenas, dentre elas Sonia Guajajara, Daniel Munduruku, Almir Suruí e Valdelice Kaiowá. Ainda, foram organizados simpósios temáticos com a apresentação de trabalhos acadêmicos.
“O ENEI traz riqueza pelo encontro dos vários povos e mostra que somos protagonistas de nossos conhecimentos. Queremos unir nossos saberes aos da academia. É preciso ocupar, aldear e demarcar esse espaço chamado universidade, porque hoje nossa luta não é só com o arco e flecha, mas também com a caneta”, ressalta a estudante de Ciências Sociais da Unicamp Marcela Torres, da etnia Pankararu.
Regilane Guajajara e Iaponâ Guajajara destacam a troca de conhecimentos que o ENEI proporciona (fotos: Antoninho Perri)
O tema do evento, “Ancestralidade e Contemporaneidade”, reflete a necessidade de que os saberes ancestrais sejam reconhecidos nas dinâmicas e problemas do mundo moderno e, particularmente, na academia, como aponta o estudante de Ciências Sociais da Unicamp Iaponâ Ferreira Guajajara. “Nossa perspectiva é um debate aprofundado em relação ao tema ancestralidade e contemporaneidade, o que envolve estranhamentos, impactos e apontar que universidade também pode aprender com a gente. É a troca de saberes e a transversalidade dos mundos que leva ao fortalecimento desse laço”, diz.
Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Uniffespa), Regilane Guajajara já chegou à Unicamp para participar da organização do Encontro. Integrante da equipe de organização, ela ressalta a importância da valorização dos conhecimentos dos povos originários do país. “Somos mestres e doutores dentro da nossa própria cultura, e o que aprendemos fora das aldeias também serve para ajudar nosso povo”.
A discussão sobre as políticas públicas para indígenas no ensino superior é, como de costume, um dos eixos centrais do evento. A partilha de experiências entre estudantes propicia a articulação conjunta de políticas importantes, como a de permanência estudantil.
“A troca de experiências tem ajudado. Quando nós, indígenas, entramos na universidade e temos que nos adaptar a ela, é muito difícil, porque nossos costumes e tradições são diferentes. Mas assim como temos que nos adaptar à universidade, ela também tem que se adaptar à nossa pluralidade”, afirma Regilane.
O tema da permanência será discutido durante o fórum temático “O atual cenário das políticas de permanência”. Outros dois fóruns constituem a programação: “Saúde dos acadêmicos indígenas” e “Meio ambiente e sustentabilidade”.
“A mãe terra pede socorro, e o ENEI também traz essa mensagem”, afirma a estudante de Ciências Sociais da Unicamp, Marcela Torres Pankararu (foto: acervo pessoal)
. As discussões sobre as ameaças aos povos originários do Brasil e suas resistências englobam temas importantes e também presentes no encontro. Dentre eles, a tentativa de implementação de um marco temporal para a demarcação das terras indígenas e as crescentes invasões aos territórios. A tese do Marco Temporal defende que os indígenas só podem reivindicar as terras que ocupavam no dia 5 de outubro de 1988.
“É importante trazer a questão do Marco Temporal para debater o massacre que ele representa. Se for aprovado, os povos indígenas serão expulsos de suas aldeias, que serão comercializadas. Nossos territórios já estão sendo invadidos por fazendeiros, garimpeiros e outros”, aponta Marcela.
Para a estudante, proteger os territórios indígenas é importante não só para os povos originários, mas para toda a humanidade, que vivencia hoje uma crise climática e ambiental. “A mãe terra pede socorro, e o ENEI também traz essa mensagem. Protegemos a Terra não só para os povos indígenas, mas para todos. Fazemos um chamado para a humanidade acordar, para que também sejam protetores da Terra, porque pode chegar um momento em que não vai existir mais água, floresta, nada. E aí, como fica a próxima geração?”.
Apresentações de teatro e musicais compõem as atividades culturais do IX ENEI, que também conta com feira de artesanato e de roupas e participação do DJ Alok em uma roda de conversa. O Teatro de Arena da Unicamp recebeu grafismos indígenas para receber as atividades.
A Unicamp dá suporte ao encontro. Uma das instâncias de apoio é a Comissão Assessora para Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas (CAIAPI) da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH).
A professora Chantal Medaets, membro da CAIAPI, declara que receber o ENEI será um momento ímpar para a Universidade. “Vários temas emergem, se configuram e ganham visibilidade no ENEI. Para a Unicamp, será um momento muito importante, com discussões que estão ocorrendo em nível nacional, sobre o diálogo de saberes e sobre como a academia deve reconhecer os saberes não-acadêmicos”.
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