João do Rio produziu sua obra a partir da observação direta da vida e da linguagem de diferentes grupos sociais do Rio de Janeiro do começo do século 20. Seu olhar atento faz de presidiários, trabalhadores braçais, prostitutas, barões, dândis, cocotes e outros seres urbanos tema de investigação. Os espaços sociais – terreiros de umbanda e candomblé, igrejas, cabarés, cortiços, favelas, minas, palácios, presídios – em que se movimentam essas criaturas são expostos com realismo e sensibilidade. Especialmente nos contos e peças teatrais ambientados nos círculos da elite, sua linguagem combina preciosismo e inovação e incorpora estrangeirismos da moda, o que lhe confere um sabor próprio de refinamento quase esnobe. João do Rio tematizou a cidade moderna, seja em sua ausência de limites morais, seja em suas facetas técnicas, como o automóvel, a luz elétrica e o cinema.
A obra desse cronista da vida carioca antecipa muitas características do modernismo. Pode-se relacioná-la à produção em prosa de Oswald de Andrade e ao jornalismo de nossos dias.
Joe, Claude, Godofredo de Alencar, Carand’ ache ? foram numerosos os pseudônimos utilizados na carreira jornalística e literária por João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa. Porém, um deles, mais do que designá-lo ou ocultar sua identidade, confirmou sua vocação: João do Rio, o cronista de uma cidade.
João Paulo Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881. Estudou com o pai, o professor Alfredo Coelho Barreto, e ainda adolescente ingressou na imprensa. Em 1899, estava entre os colaboradores do jornal Cidade do Rio, ao lado de José do Patrocínio e outros veteranos das letras e da política do país. Surgiu então o pseudônimo de João do Rio, com o qual o rapaz se tornou nacionalmente conhecido.
Muitos consideram João do Rio o primeiro jornalista brasileiro a assinar reportagens modernas, basicamente informativas, em vez de peças literárias. Algumas delas, publicadas em 1904 no jornal carioca Gazeta de Notícias, foram reunidas no livro As Religiões no Rio. A preocupação em registrar os mais diferentes aspectos do cotidiano carioca também transparece em seus contos e crônicas. Em alguns deles, pontilhados de expressões francesas, o autor retrata a sofisticação e a dissolução dos costumes da elite da capital, descrevendo festas dominadas pelas figuras sensuais das cortesãs. Em outros, porém, o erotismo é mais direto, manifestando-se nas ruas, entre a massa popular, durante o Carnaval.
Além de crônicas, contos e reportagens, João do Rio escreveu também o romance A Correspondência de uma Estação de Cura (1918) e várias peças teatrais. A de maior êxito foi A Bela Madame Vargas, encenada em 1912. Nesse momento, o escritor já integrava a Academia Brasileira de Letras, para a qual fora eleito em 1910.
João do Rio morreu em junho de 1921, enquanto escrevia sua colaboração diária para o jornal A Pátria, fundado por ele em 1920. O velório foi realizado na própria redação.
Estima-se que o enterro de João do Rio tenha reunido 100 mil pessoas e parado a cidade — Foto: Reprodução
Um autor com o pseudônimo de João do Rio não poderia descartar qualquer aspecto da vida carioca. Assim, embora muitos de seus contos e crônicas mostrem festas elegantes e orgias com prostitutas de luxo, outros conduzem o leitor por um passeio pelas ruas da capital – desde a rua do Ouvidor, “a fanfarronada em pessoa”, até as decadentes, com “a desgraça das casas velhas e a cair”, como a velha rua da Misericórdia. Seus textos também focalizaram aspectos da vida da população pobre, como a loucura que toma conta da cidade durante o Carnaval. Acredita-se que o conto Os Livres Acampamentos da Miséria, publicado em 1911, no qual ele sobe o morro de Santo Antônio, “para ouvir o samba”, contenha a primeira descrição de uma favela no Rio de Janeiro.
Os livres acampamentos da miséria
A Peste
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