Repórter Eros é o primeiro livro em português sobre jornalismo erótico – Imagem: Arquivo pessoal de Valmir Costa
O livro Repórter Eros: a história do jornalismo erótico brasileiro é uma das primeiras publicações dedicadas ao estudo do jornalismo erótico no Brasil. De acordo com o jornalista Valmir Costa, autor do livro, “a obra vem para contar uma história ignorada pelo tabu e dar visibilidade a esse jornalismo, que sempre foi marginalizado. Não havia um livro de referência, apenas recortes de publicações”.
Este é o primeiro livro de Valmir Costa, que é jornalista formado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com mestrado e doutorado em Ciências na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP. A obra teve seu lançamento pela Cepe Editora, no primeiro semestre deste 2024 e o título, como contou o autor em entrevista ao Jornal da USP, é uma remontagem ao jornalismo erótico brasileiro, explorando sua origem, história, preconceitos e importância para as lutas sociais.
Valmir Costa – Foto: Arquivo Pessoal
Inicialmente, o projeto de pesquisa era destinado a um pós-doutorado, com a tentativa de uma bolsa na USP em 2007, mas não teve sucesso. Após 11 tentativas frustradas em outras universidades até 2019, Costa desistiu do pós-doc e decidiu dar continuidade à pesquisa por conta própria. Em um período de dez meses, concluiu o livro, submetendo-o a quatro editoras. A Cepe Editora aceitou a proposta em 2021 e iniciou o processo de edição em 2022, com o lançamento sendo realizado em 2024.
Costa explica que o jornalismo erótico teve início em publicações literárias conhecidas como “romances de sensação” ou “livros para homens”. No Brasil, o marco histórico está relacionado à chegada de imigrantes europeus em meados do século 19. Em 1859, a inauguração do cabaré Alcazar Lyrique, no Rio de Janeiro, pelo empresário francês Joseph Arnoud, trouxe visibilidade ao erotismo. “Revistas semanais e jornais diários passaram a informar sobre o cabaré. A revista Semana Ilustrada é uma delas, cujo colunista com pseudônimo Dr. Semana, publicava informes do cabaré. Trata-se de Machado de Assis”, revela Costa.
A primeira revista erótica publicada no Brasil foi a Ba-Ta-Clan (1867), escrita em francês, que cobria os eventos do Alcazar Lyrique. A publicação circulou até 1871 e abordava temas como a escravidão e a República, sendo considerada libertária para a época. O jornalismo erótico brasileiro, por sua vez, teve influência direta desse modelo europeu, com a publicação de títulos em português como O Badalo (1893) e O Rio Nu (1898).
Desde suas primeiras edições, as publicações eróticas enfrentaram preconceito e tentativas de censura. Costa explica que, na época, essas revistas se definiam como humorísticas ou satíricas para driblar o moralismo. “O Rio Nu, por exemplo, enfrentou campanhas moralistas logo na primeira edição. Esse tipo de jornalismo é classificado como “gênero alegre”, “gênero livre”, “galante”, “imprensa fescenina”, entre outros nomes. O que vai diferenciar é o que pode ser considerado erótico ou pornográfico em relação a estas publicações”, pontua.
O cerco à liberdade do jornalismo erótico foi intensificado durante o Estado Novo e o regime militar, com normas que limitavam a circulação dessas revistas.
Capa do livro “Repórter Eros: a história do jornalismo erótico brasileiro” – Imagem: Divulgação/Cepe Editora
Com a ascensão da internet na década de 2010, o jornalismo erótico impresso perdeu espaço. Revistas como Playboy e G Magazine encerraram suas atividades em 2018 e 2013, respectivamente. “Seu declínio começou a partir da década de 2010 com a expansão do erotismo e da pornografia na internet. As revistas eróticas impressas morreram. Até tentaram uma sobrevida na internet, mas não conseguiram se manter”, afirma Costa.
Em dezembro de 2024, o grupo Jetix Brasil anunciou que adquiriu os direitos da marca G Magazine e promete lançar uma versão on-line, indicando uma possível retomada do gênero em formato digital. “Se der certo, poderá inspirar revistas eróticas on-line para outros públicos. É esperar para ver”, comenta o pesquisador.
Além de entreter, o jornalismo erótico desempenhou um papel importante ao abordar temas como sexualidade, comportamento e direitos civis. “Essas publicações contribuíram para lutas contra a homofobia e o racismo, além de desafiar o machismo em diferentes épocas”, analisa Costa. Contudo, ele ressalta que, ao mesmo tempo, o gênero também reafirmou estereótipos, especialmente em representações de corpos negros e da sexualidade feminina.
A história do jornalismo erótico é marcada por tensões entre transgressão e limitações impostas por uma sociedade moralista. Ao lançar luz sobre essa trajetória, Valmir Costa oferece uma contribuição valiosa para compreender não apenas o erotismo na imprensa, mas também os desdobramentos culturais e sociais que acompanharam esse percurso.
No livro Repórter Eros: a história do jornalismo erótico brasileiro, Valmir Costa detalha como o termo “veado” deixou de ser um insulto usado contra homens traídos — os chamados cornos — para se tornar uma ofensa direcionada a homossexuais. Inicialmente associado à masculinidade, o veado representava destreza e força para os caçadores que abatiam o animal. Contudo, sua simbologia sofreu mudanças ao longo dos anos.
A transição ocorreu em 1903, após um escândalo envolvendo o industrial José Francisco Corrêa, dono da fábrica de cigarros Marca Veado. Rumores sobre seu envolvimento com homens começaram a circular, agravados por sua separação e o leilão de sua mansão, o Palacete de Sande, no Rio de Janeiro. A partir desse episódio, o termo “veado” se ressignificou, passando de homem traído a uma ofensa homofóbica
O jornalista ainda desmistifica outras teorias sobre a origem do insulto, como a associação com a grafia “viado” derivada de “desviado” ou de “transviado”. Ele aponta que o termo já era usado em contextos pejorativos antes dessas associações, como no bloco carnavalesco Caçadores de Veado, fundado em 1922.
Embora a fábrica de cigarros tenha fechado e muitos documentos históricos se perdido, a pesquisa de Valmir Costa conecta os usos históricos do termo à homofobia institucionalizada, que se espalhou pela sociedade brasileira ao longo do século 20.
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