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Uma mulher chamada Elisabeth, desempregada e faminta, no ápice do desespero, toma uma decisão: vai até o Instituto de Anatomia da cidade e oferece à venda o seu próprio corpo para estudos, depois que morrer, para continuar vivendo. A partir da contraditória atitude, a protagonista passa por uma série de instituições e atores sociais, desnudando as estruturas de poder, a desumanidade das relações e a máquina cíclica entre oprimidos e opressores. .
Este é o enredo de “Carne viva”, peça do dramaturgo Renato Forin Jr. lançada em livro nos dias 27, 28 e 29 de dezembro, na Biblioteca Pública Municipal de Londrina (Av. Rio de Janeiro, 413). O lançamento conta com leitura dramática dirigida por Forin com seu grupo, o Agon Teatro, e atores de várias gerações. Após cada apresentação, acontece bate-papo com o autor e sessão de autógrafos. A entrada é gratuita e a classificação indicativa é de 16 anos. O projeto tem patrocínio da Prefeitura Municipal de Londrina, por meio do PROMIC – Programa Municipal de Incentivo à Cultura. .
A obra – “Carne viva” parte da peça “Fé Amor Esperança”, do austro-húngaro Ödön von Horváth (1901-1938), que compôs a maior parte de sua literatura no período entre guerras e foi perseguido pelo nazismo. Trata-se do primeiro projeto no Brasil a traduzir e tomar como referência a obra deste escritor, muito conhecido na Europa e comparado a Bertolt Brecht pela contundência política de seu teatro.
Forin: pesquisa de um “teatro dialético” no contexto contemporâneo – Foto: Fábio Alcover
Se a fábula de Horváth registra o momento de quebra econômica, desemprego, hiperinflação, empobrecimento e descrença política da Alemanha dos anos 1930, que resulta na ascensão de Hitler, Forin Jr. expande historicamente a relação entre desamparo sócio-político e oportunismo de tendência fascista. A rubrica inicial da peça ora lançada diz que ela é ambientada entre “os vários cômodos do abatedouro do mundo”, num tempo de “crise social que antecede os regimes de abate”. . “A obra de Horváth já tem uma grande atualidade, pois trata de temas que temos visto se repetir em todo o mundo nesta nova onda de regimes de força que se aproveitam de momentos de dor e desinformação da população. Fazer esta reescritura no Brasil de 2022 é flagrar, além de tudo isso, os jogos de opressão, que, no nosso caso, são frutos de uma história colonial e, principalmente, chamar a atenção para o absurdo da fome e da insegurança alimentar, que volta a rondar os brasileiros”, explica o escritor. O livro e, por consequência, a leitura dramática, trazem algumas vezes a indicação de ossos que se espalham pelo cenário, evocando o Instituto de Anatomia e as “valas comuns” dos regimes necropolíticos, mas também servindo de metáfora para os “ossinhos” distribuídos por frigoríficos e que têm sido a única fonte de proteína para muitas famílias diante da fome a partir da pandemia. . O livro de Forin Jr. nasce de pesquisa com seu grupo, iniciado em 2018, sobre a possibilidade de um “teatro dialético” no contexto contemporâneo, ou seja, a busca de formas dramáticas e de encenação, de viés político, que conseguissem mobilizar reflexões verticais e uma transformação social – na linha do teatro épico de Brecht. Horváth foi a fonte que o escritor de Londrina descobriu em pesquisas internacionais e que apontou um caminho. A reescritura do original contou com a consultoria de tradução do Prof. Dr. Alexandre Villibor Flory, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), especialista em teatro político e na transcriação de literatura em língua alemã.
Elenco da leitura dramática – Foto de Marika Sawaguti
. “O que mais me chamou a atenção neste autor austro-húngaro é que ele não separa o político do íntimo, mostrando como estas esferas são indissociáveis, ou seja, todos os fenômenos da vida, por mais prosaicos e cotidianos, são políticos. E esta é uma tendência bastante contemporânea”, pontua Forin Jr. Um traço formal do dramaturgo, que o escritor de Londrina preservou, é a extrema fragmentação de cenas, que implodem a ação principal em situações menores, mas potentes simbolicamente, evocando uma espécie de “silêncio dialético” na percepção do leitor ou espectador.
. A leitura dramática na Biblioteca Pública londrinense conta com a presença dos atores Danieli Pereira (no papel de Elisabeth), Álvaro Canholi, Antonio Jr., Aurélio Pereira, Beto Passini, Eliete Vanzo, Fatinha, Raíssa Bessa, Reinaldo Zanardi e do próprio Renato. Tem ainda a participação do jornalista Antônio Mariano Jr. e da artista plástica Marika Sawaguti. O lançamento integra as comemorações do mês de aniversário de Londrina e celebra a introdução de Ödön von Horváth em solo brasileiro pela porta de entrada da cidade.
. A obra está sendo distribuída gratuitamente em instituições de arte e educação, centros culturais, bibliotecas e para mediadores de leitura de Londrina, e será difundido pela Ação Cultural da Secretaria Municipal de Cultura para seus parceiros. Nos dias de lançamento, na Biblioteca, o livro será comercializado pelo valor promocional de R$25. Para leitores de todo o Brasil, a obra pode ser adquirida pelo Instagram do autor (@renatoforin).
Serviço: “Carne viva”, de Renato Forin Jr. lançamento do livro e leitura dramática
Quando: 27, 28 e 29 de dezembro – Horário: 19 horas Onde: Biblioteca Pública Municipal (Av. Rio de Janeiro, 413) Entrada gratuita – Classificação indicativa: 16 anos
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