O secretário de Formação Cultural, Livro e Leitura do MinC, Fabiano Piúba, e a ministra da Cultura, Margareth Menezes, durante cerimônia de lançamento do Edital Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura Produzida por Mulheres 2023 – Foto: Agência Brasil / Marcelo Camargo
. Direito inalienável de todo ser humano, a leitura vai muito além dos livros e trata-se de jeitos de ler o mundo, na análise de Paulo Freire. Com esse mote, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) voltará a ser uma política importante durante o novo governo Lula, que anunciou iniciativas conjuntas entre ministérios, especialmente os da Cultura e da Educação.
As políticas de incentivo à leitura extrapolam o universo do tradicional livro em papel e tentam compreender a nova realidade e as novas ferramentas da comunicação, cada vez mais digitais e descentralizadas, graças às redes sociais. À frente da Secretaria de Formação, Livro e Leitura do Ministério da Cultura, Fabiano Piúba reforça que esses conceitos já existiam e começaram a ser implementados, mas foram ignorados durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
“O presidente Lula, no ano passado, ainda no processo da campanha, tanto falava da dimensão da cultura, das artes, como trazia de uma maneira muito poderosa o papel do livro, quando ele dizia ‘mais livros e menos armas’. Ou ‘mais bibliotecas e menos clubes de tiro’. Então, essa dimensão metafórica e simbólica do livro e da leitura é vital neste momento”, conta Piúba, que participou do plano em mandatos passados de Lula.
“Lembro que era uma meta que nós pudéssemos implantar pelo menos uma biblioteca em cada município brasileiro. Naquela ocasião, realizamos um censo nacional sobre as bibliotecas do Brasil, visitamos todas, fizemos um retrato muito crítico com a ideia de implementar bibliotecas. Naquela época eram em torno de 1300 municípios sem bibliotecas. Em 2010, conseguimos atingir essa meta. Atualmente, são mais de 800 municípios sem biblioteca e a ideia não é simplesmente implantar de novo, é reabrir essas bibliotecas e modernizar as que já existem”, anuncia.
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. Criado em 2006, em acordo assinado pelos então ministros Gilberto Gil (Cultura) e Fernando Haddad (Educação), o PNLL partiu de premissas semelhantes e definiu quatro eixos que ainda serão norteadores: a democratização do acesso ao livro; a promoção da leitura por agentes treinados, a comunicação voltada ao imaginário da leitura e dos livros na sociedade; e o fomento à cadeia produtiva do livro, o que envolve escritores, editoras e distribuidores.
Essas frentes que buscam despertar o envolvimento comunitário sobre a importância do conhecimento e do respeito à diversidade. De acordo com o filósofo João Castilho, que foi Secretário Executivo do PNLL durante sete anos não consecutivos, o desenho do programa é criado em torno das bibliotecas públicas e direcionado, primordialmente, a atender às diferentes necessidades dos leitores.
“Nós temos uma larga experiência já realizada no Brasil de outros programas que demonstram com toda clareza que as bibliotecas pública, escolar e comunitária são as iniciativas principais de democratização do acesso ao livro e a leitura. Contempla um segundo eixo do PNLL que é a mediação de leitura. É fundamental ter um mediador de leitura e não precisa ser ninguém formado, especializado. Pode ser a mãe, o pai, o professor, o agente comunitário, alguém que faça essa ponte, que apresente o livro às pessoas, que tire a ideia de que o livro é para poucos; o livro é para todos”, afirma.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é tido como uma das chaves para a distribuição de livros de forma mais direta e com um alcance mais variado do que as estruturas públicas convencionais. Segundo Piúba, experiências internacionais demonstram a eficiência da ampliação e diversificação do acesso, o que no Brasil poderia ter o impulso do ambicioso plano de infraestrutura retomado no atual governo.
“Vamos apresentar dentro do Minha Casa, Minha Vida [programa habitacional do governo Lula] para que as famílias ao receberem as chaves já ganhem uma mini biblioteca com literatura brasileira, clássica, contemporânea, para que tenha um espaço para formação leitora”, comenta o secretário, mencionando também o desejo de as casas já serem equipadas com uma estante para abrigar esse material.
Castilho lembra que a iniciativa já havia sido pensada em anos anteriores e incluiria um acervo de 10 a 12 livros por família, iniciativa que seria reforçada por bibliotecas coletivas em cada conjunto habitacional. “Ou seja, teria uma ação de leitura naquela região, onde todos contariam com os livros e não seria um tipo de livro para cada, mas poderia haver até um intercâmbio, para que a biblioteca se movimentasse na comunidade”, afirma o filósofo.
Outra proposta apresentada para análise do PAC, segundo Piúba, é a de incluir a construção de bibliotecas-parque em diversos territórios, principalmente nas periferias das capitais ou em grandes cidades do interior. “Experiências como as de Medellín, na Colômbia, produzem, para além da própria leitura, outros serviços sociais, que tornam a relação orgânica com a comunidade”, comenta.
Do ponto de vista escolar, há planos do Ministério da Educação que tentam acelerar a criação de acervos dentro das escolas, como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), regulamentado em 2020. De acordo com a socióloga Marcele Frossard, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é possível aferir quanto deve ser investido ao ano por aluno de cada etapa escolar a partir de levantamentos e indicadores.
“O direito à leitura está relacionado ao direito à educação. E para se concretizar, a gente reforça a importância em investir na formação dos profissionais que atuam nessa área. Também é importante a infraestrutura. Nem todas as escolas têm espaços para que exista uma sala destinada para a criação de bibliotecas e isso é fundamental para que esses livros circulem e para que esses estudantes e a comunidade escolar tenham acesso a esses livros”, comenta Frossard.
Cruzada ideológica freou mercado do livro e qualidade das obras
Especialistas alertam que nenhuma dessas iniciativas será constante se não forem consolidadas em políticas permanentes de Estado, que resistam a eventuais mudanças de governo. Nesse sentido, há o respaldo da lei 13.696, sancionada em 2018, e que estabelece a reavaliação das metas e dos resultados a cada 10 anos.
A eficiência também passa pela política de seleção e aquisição de obras, respeitando as características regionais, mas buscando “furar bolhas” e promover intercâmbios entre assuntos, expressões e formas de enxergar o mundo. Perspectiva que envolve diretamente o fomento ao mercado editorial e de toda a cadeia do livro.
“Em 2010, quando atuava como diretor, eram quase R$ 10 milhões investidos pelo governo. Isso foi praticamente zerado no governo anterior porque a cultura, as artes, os livros foram criminalizados. Veja que absurdo”, protesta Piúba, que se compromete a virar a página.
“Vamos retomar a doação para bibliotecas públicas estaduais, municipais e comunitárias, mas de uma maneira combinada com o PNBE do MEC, que é o Programa Nacional de Biblioteca Escolar. Essa aquisição de livros é importante para o mercado editorial, para o fazer literário e acadêmico do país”.
Por sua vez, Castilho reforça que a indústria editorial é mais importante do que seu significado puramente econômico, uma vez que o livro e os materiais literários são produtos muito diferenciados. “Temos que ter realmente cuidado com ele, não no sentido de fazer qualquer censura a temas, mas temos que zelar pela qualidade e principalmente pelo fomento aos autores nacionais”, alerta.
Ele também faz coro para a proposta de promoção da diversidade do mercado editorial, oferecendo oportunidades para pequenas editoras, localizadas em áreas mais remotas do país, da mesma forma que se acolhem editoras grandes, algumas multinacionais. Essa iniciativa também permitiria uma variedade de temas e abordagens, pautados por entendimentos de direitos humanos consagrados internacionalmente.
“A qualidade do material que é distribuído trata de diferentes assuntos que podem ser abordados nos planos pedagógicos das escolas e bibliotecas. Isso ajudaria a desenvolver temas como a discussão sobre gênero, racismo, exclusão, trabalho infantil e também outros temas, como a cultura brasileira, os povos tradicionais, o acesso à terra e problemas que fazem parte do Brasil”, pontua Marcele Frossard.
A reconstrução de um processo que havia sido interrompido e que pode ser decisivo para futuras gerações. Segundo Castilho, a leitura proporciona a libertação do ponto de vista da imaginação, mas também ajuda em questões bastante básicas da nossa rotina, como escolher o ônibus certo e seguir as instruções de um médico, por exemplo.
“Isso é vital para o país. É quase uma questão de segurança pública, porque você tem uma sociedade cada vez mais diversa, mais populosa e ao mesmo tempo uma sociedade que precisa de mais entendimento, de compreensão”, conclui.
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