“Perrito’, ilustração de Dieguito.
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Nasci em agosto, mês de cachorro louco. Gosto de acreditar que uma coisa tem a ver com a outra, o que apenas revela um traço de soberba. Presunção diante da grandiosidade dos eventos. Agosto, mês de vacinação contra a raiva dos cães, não teve vacina para a loucura dos homens públicos e para desastres históricos cujas consequências se arrastam por séculos.
Getúlio Vargas suicidou-se em agosto. Ditador que foi tarde deixou carta testamento de autoria discutível, enorme crise política e uma herança estatólatra que carregamos até hoje.
Agosto é marco de outra tragédia política nacional, a renúncia de Jânio Quadros, que tinha parecença com os cães e com a loucura dos cães. Abriu caminho para a longa noite do regime fardado. Duas décadas infames de ditadura.
Não basta? Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha em agosto de 1932. Início de um pesadelo que desaguou na 2ª Guerra Mundial e nos legou a evidência de que a espécie pode chegar a loucuras coletivas e misérias vergonhosas do racismo, dos campos de extermínio, milhões de mortos, a Europa destruída. Insanidade que só terminou em 1945 com outra manifestação de loucura, a explosão de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.
Ora, pois, eis o suficiente para que o mundo ocidental, cristão e democrático tema o mês de agosto para sempre.
Mas a superstição também se apoiou em evidências e circunstâncias mais simples. Agosto, mês do frio e das ventanias, provocava sustos na escuridão das noites antigas ao balançar redes, bater janelas e portas e fazer ruídos que a imaginação medrosa transformou em fantasmagorias de almas penadas.
Na Idade Moderna fez outros estragos. Meu tio Ramon, que foi mecânico de aviões, me disse alguma vez que agosto era péssimo para a aviação. Mês de contrastes climáticos, de frentes frias de encontro a camadas quentes de ar. Os aviões de motores a explosão subiam no máximo à altura das turbulências. Resultado: muitos despencavam. A bruxa está à solta, anunciavam as manchetes de jornais com a lista das vítimas na primeira página.
A implicancia com o mês de agosto é bem mais antiga que os aviões. Em Portugal, vem da época das caravelas. Era o mês propício para o início das navegações que duravam meses ou anos. Mulheres portuguesas não casavam em agosto porque corriam o risco de perder o marido em aventura marítima. Essa crença chegou ao Brasil com Pedro Álvares Cabral e o vinho da Cartuxa, acompanhada do ditado “casar em agosto traz desgosto” até hoje respeitado na colônia lusitana.
Na França, que tanto nos influenciou quando éramos civilizados, o mês é maldito desde 24 de agosto de 1572, quando Catarina de Médici ordenou o massacre de São Bartolomeu, que dizimou dezenas de milhares de súditos incréus. Na Polônia, em 14 de agosto de 1831, os poloneses foram derrotados pelos russos na Revolta de Varsóvia. que também matou muita gente. Os polacos trouxeram para cá a sua contribuição para reforçar a ideia da maldição de agosto.
Tudo bem, como costumam repetir as almas parvas. Há evidências de que nem tudo em agosto é ruim e que nem todos os nascidos em agosto têm algum desconto na saúde mental. Meu amigo Dico Kremer, tão equilibrado, é prova disso. O Ernani Buchmann nunca deu demonstrações públicas de desvario. E eu conheço loucos de todos os meses e extrações. Dos simpáticos e geniais aos perigosos evitáveis e chatos.
É provável que se fizermos um balanço dos acontecimentos tenebrosos de outros meses, encontraremos provas de que a loucura humana não se manifesta apenas em agosto. Nem a dos cães, Mas de qualquer forma, não custa tomar algum cuidado. Sabedoria e evidências tão antigas devem ter alguma verdade que alguns de nós, nascidos em agosto e parceiros dos cães, em noites de lua cheia tentamos decifrar
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