Meu pai sempre quis conhecer o mar. Dizia que até podia sentir a areia molhada e o quebrar das ondas lambendo de mansinho os seus pés.
Papi tinha algo que somente hoje sou capaz de compreender: sabia contemplar – aprendeu com a vida a admirar sem palavras, atos ou movimentos.
Ficava horas sob a manga, sem dizer coisa alguma.
Me lembro tão bem daqueles olhinhos verdes entre bochechas vermelhas enrugadas… Uma luz diferente saía daquele olhar quando atento aos passarinhos que se refestelavam em piscinas improvisadas.
Amava cada uma de suas árvores, mas deixava claro, com alegria evidente, sua predileção pelas jabuticabas: “Olha como são bonitas!”, dizia sorrindo, após sete anos de espera por seus primeiros frutos.
Seu sonho em si não era difícil de realizar… Mas a mesma mente que tão longe ia observar os passarinhos dizia em conflito: “ainda não” ou então “agora é muito difícil”.
Os anos se foram.
E ele também.
E hoje, aqui, num instante em que a sua ausência bateu forte, olhei para os meus pés – idênticos aos seus – nossa genética fazendo marcas na areia, enquanto o mar lava com carinho as saudades que sinto.
Pensei:
Pai, servem para você estes pequenos pés?
Ensina-me a olhar esta vida com a mesma esperança nas coisas simples que os teus olhos viam.
Das suas lições, esta sua filha – Isa, a louca pelo mar – não quer mais apenas esperar o tempo passar. Enche meu espírito de coragem, para que eu abrace com força o mar revolto dentro do meu peito, pois nem tudo que amo é sereno.
Me ajuda, pai, neste exato momento a não temer as coisas pelas quais o meu coração verdadeiramente arde…
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