– Uma crônica de Letícia Scheidt –
A sociedade moderna tem nos distanciado cada vez mais da nossa essência, da natureza, da integração fluida que existia entre a humanidade e o ambiente. Nesse contexto, nos prendemos a uma rede de tempo escasso, ambientes artificiais, consumo, desperdício, relações ligeiras, com uma série de impactos nas nossas vidas.
Nunca gostei dessa lógica da sociedade e sempre admirei aqueles que de alguma forma nadavam no contrafluxo. Aprendi desde pequena a amar o planeta, as árvores, os bichos. Sonhava em plantar florestas, salvar oceanos, morar no meio do mato.
E assim, quando tive a oportunidade de construir meu cantinho, depois de 13 anos de vida adulta na selva de pedra, sempre morando em apartamentos, resolvi colocar em prática tudo aquilo que valorizava. Nasceu daí a Morada Pedra da Lua. Ela se propõe a ser um espaço com vários desdobramentos:
– Promover um retorno a um ambiente natural. A natureza está aí presente o tempo todo, mas a gente muitas vezes nem dá atenção. Aqui na Morada respiramos um ar 100% puro; aqui sentimos a terra fria de noite; aqui sentimos o vento mudar de direção e indicar a chuva; aqui somos abençoados pelo esplendor da lua; aqui nos visitam pássaros, gambás, teiús, cachorros do mato e até macacos; aqui ouvimos o farfalhar das árvores; aqui sentimos o cheiro do mato; aqui interagimos com os elementos naturais. – Resgatar a saúde. Física, pois aqui estamos cultivando diversas árvores frutíferas e horta orgânica. E mental, porque ao fazer uma conexão com a terra, silenciamos os anseios e ouvimos mais a nós mesmos.
Mutirão preparando barro para a edificação da Morada da Pedra da Lua
– Compartilhar. A Morada só se faz coletivamente. Uma rede de solidariedade se formou e criamos situações únicas de interação e partilha. Os amigos vêm, plantam, colhem, constroem, descansam, riem, tocam música. A Morada é uma alternativa ao individualismo. Aqui construímos juntos algo para compartilhar juntos. E, nessa cadeia, outros mutirões serão realizados, para construir outros espaços, de outras pessoas.
– Ser um recanto ecológico e sustentável. Na Morada, se gera o mínimo de lixo possível. Tudo que é orgânico, vira alimento para o solo e as minhocas na composteira. Tudo que é seco, vai para a reciclagem. Aqui, não há esgoto, os dejetos da casa não vão seguir para os rios, poluindo um volume incrível de água. O banheiro é seco, como faziam nossos sábios ancestrais, transformando matéria orgânica em adubo apenas com a passagem do tempo e a ação de bactérias. As águas cinzas, residuais de louça, roupa e banho, são tratadas através de círculos de bananeiras e saneamentos ecológicos, com pedras e plantas e direcionadas para o jardim. – Aproveitar os recursos naturais. Aqui, fazemos captação de água da chuva. Uma cisterna coleta a água da calha e dali a distribuímos para as áreas necessárias. – Economizar recursos e energia. A Morada demanda pouco gasto de energia elétrica. Não necessita de refrigeração artificial por ar condicionado, pois as próprias paredes são térmicas, refrescando no verão e conservando calor no inverno. Temos muita iluminação natural, com janelas, diminuindo a necessidade de iluminação artificial. E o telhado é verde, o que além de proporcionar um ambiente mais natural, bonito e aconchegante, também faz com que a temperatura interna diminua bastante. – Se espelhar em outros animais. Um joão-de-barro leva poucos dias para construir sua casa. As pessoas na nossa sociedade levam 30 anos pagando um financiamento, de uma obra muito dispendiosa e cheia de materiais agressivos à saúde e ao ambiente. Aqui, fazemos a bioconstrução. Ou seja, construímos a casa com nossas mãos e pés, utilizando material do próprio terreno. O cob é uma mistura da terra do local, com um pouco de areia e palha recolhida também dos arredores. O pau-a-pique é uma forma de subir paredes com bambu preenchendo com essa mesma mistura de barro. Como nossos avós faziam (mas depois nos disseram que essa técnica significava pobreza e as pessoas pararam de fazê-la, buscando o que a indústria da construção indicava). – Reaproveitar materiais. Utilizamos muito material proveniente de lixo de outras obras, como madeiras, telhas, janelas e portas, às vezes em excelentes condições. O planeta agradece, mais uma vez. Também utilizamos madeira de reflorestamento, que não causa um impacto nas nossas florestas. – Valorizar o simples. Aqui, não se vê necessidade de ostentar, seja como for. Aqui, se percebe que o maior valor está nas coisas mais simples. Por isso não há sofisticação de qualquer forma. Mas há aconchego e espaço para a vida. – Praticar a permacultura. Permacultura é a cultura de permanência, ou seja, a valorização do que fica, do que não é descartável, do que é cíclico. Com a permacultura, assumimos a responsabilidade do impacto que nossos atos causam constantemente, minimizando nossas pegadas. Bem-vindos à Morada Pedra da Lua, onde a gente vive num outro ritmo, com outra concepção de lugar no mundo!
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Letícia Scheidt é experimentadora do mundo e de si mesma. Vive e sonha na Morada da Pedra da Lua, em Foz do Iguaçu, no planeta Terra. Quando tem vontade, escreve e compartilha na Guatá suas vivências.
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