Trabalhadores sem-terra abastecem helicóptero da PRF no pré assentamento Dom Tomás Balduíno, no Paraná – Foto: Gabriela Moncau
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fez uma semeadura aérea de cerca de quatro toneladas de sementes da palmeira juçara no município de Quedas do Iguaçu (PR), nesta segunda-feira (3). A ação aconteceu com um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e inaugurou a 2ª Jornada da Natureza, organizada pelo MST em todo o país.
No Paraná, onde a jornada foi concebida pela primeira vez no ano passado, ainda serão plantadas (de forma aérea e terrestre) outras oito mil toneladas de sementes de juçara e de araucária, ambas espécies da Mata Atlântica em extinção. Está previsto também o plantio de 17 mil mudas de árvores, com a criação e expansão de sistemas agroflorestais.
“A gente compreende que o que está acontecendo no nosso país, tanto em relação a períodos intensos de chuva como de seca, é resultado da crise ambiental causada pelo sistema capitalista, que explora e destrói a natureza”, afirmou, sob a ventania das hélices do helicóptero, Bruna Zimpel, da direção nacional do MST.
“Para enfrentar a crise climática, é necessário que ações deste tipo aconteçam: resgate de espécies, plantio de árvores, recuperação da natureza”, elencou Zimpel.
A semeadura aconteceu a cerca de 300 quilômetros da fronteira com o Rio Grande do Sul, estado que enfrenta uma tragédia climática sem precedentes com 2,4 milhões de pessoas afetadas. As sementes caíram sobre as áreas de reserva legal do assentamento Celso Furtado e das comunidades Vilmar Bordin, Fernando de Lara e Dom Tomás Balduíno.
A iniciativa integra o plano nacional “Plantar árvores, produzir alimentos saudáveis”, lançado pelo MST em 2020, o objetivo é plantar 100 milhões de árvores até 2030. Pelos cálculos do movimento, no ano passado foram 25 milhões.
Cerca de 7 mil sementes da juçara foram coletados em mutirões de famílias sem-terra para a jornada – Foto: Gabriela Moncau
A parceria do MST com a PRF, pouco provável no pensamento daqueles que, ao ouvirem o nome do órgão, lembram das suas ações para impedir eleitores no Nordeste de acessarem pontos de votação em 2022 ou em chacinas no Rio de Janeiro, foi possível por articulações locais no Paraná.
A ação conjunta foi selada já na Jornada da Natureza do ano passado, primeiro ano em que superintendência da PRF do Paraná esteve a cargo de Fernando Cesar Borba de Oliveira. Formado em jornalismo e pós-graduado em comunicação política em Ciências Sociais, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Oliveira trabalhou na Agência Brasil e em entidades sindicais antes de se tornar policial rodoviário em 2013.
O comandante Juliano Kunem, de Operações Aéreas da PRF, afirmou que os agentes “se sentem felizes de poder conduzir essa máquina e dar um resultado que, cientificamente, está se provando útil”. “Que a gente possa semear muita palmeira juçara nas terras onde são necessárias para a recuperação da natureza”, completou Kunem, ele próprio filho de camponeses da região.
Sementes de palmeira juçara são lançadas em áreas de reserva legal de Quedas do Iguaçu (PR) – Foto: Leonardo Henrique / MST PR
Os custos com os voos não são cobertos pela PRF. Organizada com a Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (Acap), a iniciativa tem patrocínio da Caixa Econômica Federal.
A jornada do MST tem parceria, ainda, da Itaipu Binacional, o Instituto Água e Terra (IAT), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), entre outros órgãos públicos e ministérios do governo.
A ideia de lançar milhares de sementes da palmeira juçara de uma só vez e por via aérea surgiu numa conversa despretensiosa entre dois moradores do pré-assentamento Dom Tomás Balduíno, de Quedas do Iguaçu (PR). O primeiro, Josué Evaristo Gomes, é filho de assentados, estudioso da palmeira juçara e engajado na recuperação da espécie no bioma. Foi quem lançou a proposta. O segundo, Tarcísio Leopoldo, é da direção estadual do MST no PR. Foi quem abraçou. Daí, cresceu.
Josué vivia ainda com seus pais no assentamento Celso Furtado quando um vizinho, seu Liberato, comentou que dava para fazer suco com o fruto daquela árvore que tinha ali. “Aquilo me despertou curiosidade, comecei a estudar o que era aquela palmeira”, conta. Quando se mudou para a comunidade onde vive hoje com a companheira e a filha, tinha desta árvore no seu lote.
Josué Gomes, em seu lote e cercado de palmeiras juçara, fala sobre o cultivo e recuperação da espécie – Foto: Gabriela Moncau
“Eu já tinha conhecimento da espécie, sabia que era possível ter uma renda a partir dos frutos, sem a necessidade de cortar a palmeira. O pessoal não conhecia esse potencial”, relata Josué. “Há cinco décadas aqui nessa região havia muita extração predatória do palmito. Por isso, hoje a presença dela é limitada. Eu, então, me senti na obrigação de fazer algo em prol dessa espécie”, explica.
“A ideia nasceu numa viagem, enquanto a gente jogava conversa fora. Uma ideia mirabolante a princípio, mas que foi ganhando corpo”, narra Josué Gomes, que ajudou a criar uma agroindústria de polpa e sorvete de juçara no pré-assentamento.
A primeira edição do lançamento aéreo de sementes aconteceu em junho de 2023, quando cerca de quatro toneladas foram despejadas em uma área de 67 hectares. Desta vez, além de a iniciativa ter se ampliado, abrangendo quatro comunidades, foi possível aferir a efetividade da semeadura anterior.
Cerca de 10 mil mudas de palmeira juçara por hectare foram identificadas pelo grupo de pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável coordenado por Julian Perez-Cassarino, docente da Universidade Federal da Fronteira Sul. Em um ano, elas germinaram e estão, em média, com 14 cm de altura.
Identificada no meio da mata, uma muda de palmeira juçara que germinou da semeadura de 2023 – Foto: Gabriela Moncau
“A gente estima que se ficar com 10% dessas mudas que estão presentes hoje na mata, a gente teria em média cinco toneladas de polpa por hectare. A um preço de R$20, daria R$100 mil reais por hectare ao ano. Isso com o enriquecimento da mata, atraindo fauna, permitindo a regeneração de outras espécies florestais e colhendo somente o fruto”, afirma Perez-Cassarino.
“A juçara, o pessoal conhecia pelo palmito. Cada palmito é uma árvore derrubada. Quando a gente extrai o fruto, a gente não derruba árvore e dele aproveitamos a semente para semear mais”, completa o professor.
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