Geni e Ramona têm boas lembranças dos tempos passados na Vila Paraguaia. Foto: Marcos Labanca/H2Foz
ESPECIAL ENTREVISTAS Do H2Foz / Escrito Por Denise Paro Geni e Ramona se encontram todos os dias. Elas cultivam uma amizade de décadas e compartilham, além de lembranças, uma história de vida parecida. Paraguaias, ambas deixaram o país de origem para viver em Foz do Iguaçu quando ainda nem existia a Ponte da Amizade.
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As amigas octogenárias moram na Vila Paraguaia, um dos primeiros bairros de Foz do Iguaçu. Foi ali, em uma área vizinha ao Jardim América, que muitos paraguaios se instalaram logo que conseguiram cruzar o Rio Paraná a partir da década de 1950.
Alguns saíram do país para fugir da perseguição cravada pela ditadura de Alfredo Stroessner entre 1954 e 1989; outros, pelas consequências desse período: desemprego e pobreza.
Assim foi surgindo a Vila Paraguaia, um pedaço de Foz do Iguaçu onde vivem e viveram expoentes da memória da cidade. Paraguaios perseguidos pela ditadura, operários que construíram a Ponte da Amizade e trabalhadores e trabalhadoras que fizeram vezes no comércio e na rede hoteleira quando a cidade ainda engatinhava.
Geni, de nome Marcelina Aguayo, tem 89 anos recém-completados. Viúva, ela chegou a Foz do Iguaçu com 23 anos em busca de emprego e guarda na memória episódios curiosos.
Um deles quando trabalhava no primeiro aeroporto de Foz do Iguaçu, atual Gresfi, e serviu café ao então presidente Castelo Branco e ao “rei” Roberto Carlos. “Gostou do Brasil, o Brasil é maravilhoso”, ouviu de Castelo Branco.
Passados os tempos de aeroporto, entre 1960 e 1965, no qual também fazia lanche para abastecer os aviões que levavam os turistas, Geni foi trabalhar em uma loja do Hotel das Cataratas. Depois, seguiu a vida em família.
Natural de Itakyry, a cem quilômetros da fronteira, ela cruzou o Rio Paraná em busca de trabalho e deu duro. Tem uma filha, neta e familiares por perto.
A amiga dela, Cristina Ramona Duarte, está com 85 anos. Ela deixou Coronel Oviedo, a 230 quilômetros da fronteira, e por volta dos anos 1960 já estava em Curitiba para retirar a documentação definitiva e viver deste lado.
Resolveu mudar para Foz porque a mãe queria ficar perto de uma irmã que por aqui estava. Começou trabalhando no comércio da Avenida Brasil, casou com um paraguaio filho de pai de origem alemã que trabalhou na construção da Ponte da Amizade, teve três filhos e virou dona de mercado e loja. Ficou viúva e hoje divide momentos com amigos e família.
Nesta entrevista, as amigas revivem lembranças de uma outra Foz do Iguaçu, a da década de 1960 em diante, e falam dos primórdios da Vila Paraguaia.
A Vila Paraguaia tem quatro quadras, becos e moradores que esbanjam simpatia. O bairro, vizinho ao Jardim América, começou a formar-se na década de 1950 e ganhou impulso com o início da construção da Ponte da Amizade, em 1956.
Surgiu com o nome de Vila Santana porque o loteador se chamava Santana Ramirez, brasileiro filho de paraguaios. A partir de 1975, ganhou o nome de Vila Paraguaia.
Muitos operários que atuaram na construção da ponte compraram um pedaço de terra e foram morar na vila – de onde é possível, a partir de algumas ruas, avistar o Rio Paraná. Com o tempo, a comunidade paraguaia foi crescendo e acabou fixando-se na cidade.
Nas primeiras décadas do bairro, o desafio foi conseguir asfalto do poder público e melhorias de infraestrutura. Após muitas cobranças, foi só a partir de 1981, com a criação de uma associação de moradores, hoje extinta, que a vila assegurou ruas pavimentadas, iluminação e abastecimento de água decente.
Foi lá que viveu outra importante personagem da história de Foz, Ignácia Ayala de Santacruz (1941–2024), considerada a primeira taxista mulher das Três Fronteiras. Ela enfrentou preconceitos, inclusive de policiais, para fixar-se ao volante.
Outro morador lembrado na vila é o jogador Carlos Antônio Chavez, o Curê, que começou a carreira na equipe do Foz do Iguaçu e passou por importantes equipes brasileiras e paraguaias, como o Guarani de Campinas, Cerro Porteño e Olímpia.
“Significa grande floresta, em guarani.” Foto: Marcos Labanca
A Vila Paraguaia tem algumas ruas que remetem à história do Paraguai:
Rua Mariscal Francisco Solano López – Solano López (1827–1870) foi um governante paraguaio que comandou o país entre 1862 e 1870. Educado na França de Napoleão III, onde recebeu uma educação militar, ele comandava o Paraguai quando o país saiu derrotado da Guerra da Tríplice Aliança, um dos conflitos mais sangrentos da América Latina que resultou em mais de 300 mil mortes. No Paraguai, é visto como herói nacional.
Rua 14 de Maio – Independência do Paraguai do domínio espanhol em 1811. Também se refere a uma organização guerrilheira que insurgiu contra a ditadura de Stroessner (Movimento 14 de Maio).
Rua Nossa Senhora de Caacupé – Padroeira do Paraguai.
Rua Ramon Santacruz Aguayo – Pioneiro da vila.
Beco Acaray – Nome de uma tribo indígena exterminada pelo homem branco. Aca (cabeça) e Y (água). Cabeça de água. O beco local é usado para a festa junina dos moradores.
Beco Caaguazú – Significa grande floresta, em guarani. Também é nome de um departamento (estado) paraguaio.
Rua Ypacaraí – Lago do Senhor, em guarani. Ypacaraí é um lago próximo a Assunção, capital do Paraguai.
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