Sem biografia e documentário sobre Naná Vasconcelos, viúva cobra mobilização para manter legado – Foto: André Seiti/Itaú Cultural
Nesta sexta-feira (2), Naná Vasconcelos completaria 80 anos de idade e, pela primeira vez, o berimbau dele saiu de casa sem o músico. O instrumento que era uma extensão do seu corpo foi a São Paulo para integrar a mostra que homenageia o músico no espaço Itaú Cultural.
Faz oito anos que o músico faleceu, mesmo assim, o movimento foi significativo perante a tudo que o instrumento representava para Naná, comenta a esposa Patrícia Vasconcelos.
“Para Naná, o berimbau era um pai grande, ele dizia que com ele não existe distração. O berimbau, além da relação musical, tem algo como se fosse um símbolo, uma coisa transcendental e, de fato, o berimbau e ele se entrelaçaram na música mundial”, disse em entrevista ao programa radiofônico Bem Viver desta sexta-feira (2).
Transgressor de ritmos, o músico talvez tenha sido mais famoso internacionalmente do que no próprio Brasil, a exemplo da revista estadunidense Down Beat que o elegeu oito vezes o maior percussionista do mundo.
Natural do Recife, Naná Vasconcelos começou a se notabilizar como mestre da percussão desde cedo, ainda na década de 1960, gravando álbuns com Milton Nascimento e Geraldo Vandré, por exemplo.
Logo após, iniciou viagens pelo mundo e parcerias com artistas de fora, o que lhe abriu caminhos para receber diversas vezes o Grammy Awards por participar de trabalhos com Paul Simon, Pat Metheny e Talking Heads.
Em 2011 seria a vez de Naná ganhar um Grammy Latino pelo álbum Sinfonia & Batuques.
Casada por 17 anos com o músico, Patrícia Vasconcelos teme que esse legado esteja ameaçado. “Por exemplo, um documentário ainda não existe, tem pessoas que começam a se interessar. Outra coisa, uma biografia não existe”, disse.
“Vai existir a fotobiografia que vai ser lançado esse ano, por Augusto Lins. Mas preciso de uma biografia com equipe, porque o trabalho de Naná é tão amplo que eu acho que para uma pessoa só fica complicado”, cobra.
Na entrevista, Patrícia também celebrou a obra do marido e destacou porque o trabalho dele deve ser considerado único mundialmente.
“Ele faz você sentir que sua voz, seu corpo, podem ser um instrumento de percussão. Essa simplicidade que vai do berimbau ao corpo à voz, um simples “tererere” que ele fazia, tava aí e ninguém nunca pensou”.
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Qual era a relação de Naná com o berimbau?
Para Naná, o berimbau era um pai grande, ele dizia que com ele não existe distração. O berimbau além da relação musical, tem algo como se fosse um símbolo, uma coisa transcendental e, de fato, o berimbau e ele se entrelaçaram na música mundial.
Naná botou o berimbau no jazz, fez um concerto para a orquestra sinfônica, fez do popular ao erudito.
Agora nessa Ocupação [em São Paulo] é com muita emoção que, pela primeira vez, o berimbau saiu sem ele.
Com ele, Naná entrou com muita facilidade em outros universos. E como dizia Naná, menos é mais, né? O berimbau é um instrumento simples, mas com essa simplicidade ele conseguiu sofisticar.
Essa relação especial com o berimbau tinha relação com o fato de ser um instrumento genuinamente brasileiro?
Naná sempre teve o Brasil na alma dele, no coração, mesmo quando estava morando fora.
Eu via Naná muito dentro da raiz do Brasil, de fato, né? Quando, por exemplo, num show solo, ele tira sons da chuva no Amazonas.
Ele faz também do corpo dele um instrumento. Faz você sentir que sua voz, seu corpo, podem ser um instrumento de percussão, então essa simplicidade que vai do berimbau ao corpo à voz, um simples “tererere” que ele fazia, tava aí e ninguém nunca pensou. Naná sempre pensou em coisas tão simples, mas que personalizou o seu estilo.
E como foi a relação de vocês dois?
A gente se conheceu em Recife, em Olinda, ali na região metropolitana. Foi um casamento muito bonito, temos uma filha chamada Luz Morena e assim a coisa foi feita de uma forma muito orgânica, com amor, carinho e respeito.
O Naná foi uma pessoa muito digna, foi um pai fantástico, um marido fantástico, um marido, amigo… tudo.
Eu sou engenheira civil e também com formação em psicologia, mas chegou um momento que eu comecei a interferir muito na carreira dele, como esposa a gente dialogava muito. Então ele entendeu que era melhor que eu me dedicasse a gerir a carreira dele.
Aí eu deixei minha formação, eu deixei meu emprego de engenheira e fui. Me dediquei à carreira dele e a gente fez uma bela parceria na questão profissional também.
Porque com a minha cabeça de engenheira eu fazia as coisas pensando muito matematicamente e não interferia na criação dele. Foi bem bacana…
Eu entendia bem a música dele e hoje vejo que eu entendo muito mais. Eu entendo bastante a música dele, de uma forma muito específica, porque, ao mesmo tempo, eu sabia das inquietações dele. Eu era a pessoa que mais ele confiava, então assim, eu tenho a visão dele no palco, tenho a visão dele por trás do palco.
No momento em que eu que eu voltava para casa e via ele lá meditando e criando alguma coisa. Eu acho que eu tive esse privilégio que ninguém teve.
Hoje eu vejo isso como um banco de dados para mim na minha memória. E vejo essa responsabilidade de cultivar o legado dele com muito amor. Isso é uma missão para mim, eu tenho isso com missão. E acho que todos vocês podem me ajudar nesse legado, porque eu só não faria nada.
Quantos anos vocês estiveram juntos?
17 anos de casados e aí eu acho que depois de uns cinco ou quatro anos eu comecei a trabalhar com ele. Eu já me envolvia desde o namoro, eu já me envolvia em algumas coisas dessas inquietações dele.
Em 2022, o Brasil de Fato conversou com você por conta do acervo do Naná que estava sendo esquecido pelo poder público do estado e municipal. Como está essa situação?
Nesse momento aí que você bem lembrou eu estava bastante inquieta com essa falta de movimento. Eu tento ao máximo, dentro das minhas possibilidades, não deixar que essas coisas se percam.
Depois daquela inquietação minha tive vários diálogos com a prefeitura, com o governo do estado. Existe uma esperança de ter a casa de Naná Vasconcelos no Recife. A gente tá ainda vendo esses detalhes, mas existe a esperança disso.
Porém, eu, na minha concepção, acho que o Brasil poderia fazer muito mais nesse sentido, por exemplo.
Se Recife vai fazer esse diálogo de uma casa Naná Vasconcelos, outros estados, outras cidades, podem fazer outra coisa. Algum outro estado pode se interessar e também fazer o museu, porque esses diálogos estão abertos. Uma coisa pode ser suporte da outra, uma coisa pode ter conexão da outra, porque a obra de Naná foi mundial.
Eu acho que o sul e sudeste devem fazer também alguma coisa, porque a quantidade de coisas físicas que eu tenho dá pra isso, não tem que colocar tudo só em um espaço, a gente pode globalizar isso de uma certa forma.
Por exemplo, um documentário ainda não existe. Tem pessoas que começam a se interessar. Uma biografia não existe. Vai existir a fotobiografia que vai ser lançada este ano, por Augusto Lins. Mas preciso de uma biografia com equipe, porque o trabalho de Naná é tão amplo que eu acho que para uma pessoa só fica complicado,
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