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. Quando pensamos em Língua, logo somos remetidos às ideias de idioma, de fala, de comunicação. A Língua Materna é um bem do qual nos apropriamos e o transformamos na primeira referência de nossa identidade, capaz de unir, em torno de uma ideia, ou de um significado, toda uma nação e todos que nela habitam, dando sentido, significando todos aqueles que dela se apropriam. .
Possui uma riqueza dialetal, com uma raiz comum, o que a torna mais elegante e complexa, capaz de intrigar estudiosos e rasgar normatizações (Gramáticas). Tomando como base toda essa riqueza e levando em consideração seu aspecto identitário, poderíamos entender por que é difícil normatizá-la, codificá-la em uma Gramática, ou qualquer outro conjunto de normas, fato que somente é possível com línguas mortas, como o Latim. Sua vivacidade lhe dá uma complexidade que é facilmente absorvida por seus falantes, e penosamente entendida pelos soldados das Gramáticas, os Professores de “Português”.
Entendendo, portanto, que a Língua viva mantém uma complexidade além do desejável pelos estruturalistas e normativistas, é possível compreender por que ainda se falha no manuseio escolar desta mesma Língua. Simples. Se a língua está sempre à frente de suas normatizações, sua riqueza não será entendida pelo livro didático, portanto por muitos professores. Pois, como afirma Celso Luft, não é preciso ensinar “Português” para os recém-chegados à escola, pois estes já o dominam; é preciso, sim, ensinar as estratégias de domínio da língua, que incitam a imaginação e a criatividade, e não abortá-la com regras e normas. .
O grande exemplo de que precisamos repensar nossas aulas de “português” é o resultado da pesquisa realizada pelo INEP/PISA, que mostra que 50% dos nossos estudantes são incapazes de retirar do texto informações explícitas. É um dado alarmante que nos remete a reflexões, tais como: Esses estudantes também são incapazes, na língua falada, de entender 50% das informações explícitas? Os mesmos dominam e falam seu idioma? É impossível que um falante de uma língua, saudável intelectualmente, seja incapaz de entender menos de 50% do que lhe é falado, a não ser em casos específicos como em linguagens técnicas. Em uma situação cotidiana, isso não pode ser tolerado. E, no caso, se a segunda resposta for afirmativa o problema é ainda mais grave, alguém ou algo está deseducando nossos alunos. Neste caso nos remetemos novamente à afirmação de Celso Luft. .
Observando estes dados pavorosos, nos vem logo à mente que a escola precisa mudar. Seria mesmo isso? Talvez a resposta dessa pergunta embasasse uma boa tese de doutorado, ou seria mais simples e conveniente ratificar tal afirmação. Bem….. teríamos um culpado. Podemos, no entanto, refletir sobre algumas possíveis respostas, pois, por muito tempo, nossas escolas e faculdades de letras estiveram sob o manto do autoritarismo gramatical, onde a língua era vista como conjunto de normas, e a valorização da língua se dava no seu aspecto formal e erudito e não pela capacidade de criar através da língua e das palavras. E o que isso tem a ver com nossos atuais estudantes? Tudo, pois a partir do momento (atualmente) que se passou a valorizar outros aspectos do ensino do “português”, como a compreensão de texto, expressão de fala e escrita, em detrimento da “análise sintática”, entre outros aspectos gramaticalistas, observaram-se os tentáculos dessa geração de professores de português muito presentes. E, em se tratando de educação, ainda levaremos muitos anos para reverter tal quadro…
É importante lembrar que não se está aqui defendendo a abolição do uso da Gramática, o que se está defendendo é uma nova forma de lidar com a Língua, seja ela em qual grau da educação formal ou informal for, em que a criatividade e a inteligência desse patrimônio que é a Língua, expressa em qualquer forma ou linguagem, seja valorizada como positiva, pois se até nossos grandes escritores, como Veríssimo, afirmam ter pouca “intimidade” com Gramática, por que nossos alunos de 5ª série haveriam de tê-la? Isso não diminui a importância de Veríssimo, tampouco a de nossos alunos. Assim, uma educação pela Língua, realçada pela agradabilidade, criatividade e inteligência no seio da escola, poderia resgatar muitos de nossos jovens, cujo vocabulário é composto de pouco mais de 20 palavras.
Se as pessoas se reúnem prazerosamente para conversar, trocar ideias, ouvir e falar de coisas interessantes, escutar música, dentre outras dezenas de atividades lúdicas, informativas e educativas: a escola deve ter o mesmo quando reúne seus estudantes, tornar essas horas num momento menos formal, resgatar o prazer de falar, de ler e escrever, valorizar a cultura eminente dos estudantes. Caso contrário, os resultados de pesquisas ainda serão pavorosos.
Sugestão de uma boa leitura: Lingua & Liberdade (O Gigolô das Palavras) Celso Pedro Luft.
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