Na antevéspera da adolescência, mobilizada por aquele eflúvio impertinente, que chega como um vento gélido soprando no ventre, e que de seu silêncio brotam imagens que aos poucos se definem como palavras doces e perturbadoras, minha filha, ingenuamente desencontrada naquele florescimento de sensações, e depois de olhar a distância como que buscando a melhor maneira de elaborar a pergunta que faria, finalmente trouxe do vazio repleto daquele silêncio que nos obriga a produzir as palavras inapelavelmente dentro de nós, porque o horizonte nunca nos revela, mas apenas nos incita a mergulhar mais ainda para dentro, como se o significado das cores do céu a silhueta dos montes e os ângulos dos escombros só pudessem mesmo ser decifrados na escuridão invisível de nosso interior, indagou a mim, parecendo deslocar-se da redoma da inocência:
Pai, Para onde vamos quando os movimentos da vida
Para onde vamos quando o experimento de nossas elucubrações pararem de nos excitar?
Para onde vamos quando a quietude parecer o estado do espírito e a violência, ter perdido a gravidade?
Para onde vamos quando o coração emudecer e o pensamento parar de bater?
Para onde vamos quando a saudade se acomoda e o amor consegue enfim renunciar?
Para onde vamos quando nossa história se rebela e se desliga da história que vai ficar?
Para onde vamos quando a mentira se arrasta por sombra e a virtude enfim levanta e põe-se a andar?
Para onde vamos quando o ardor inspira uma oração e a dor se torna somente paz?
Para onde vamos quando a injustiça dispensa a lei e a mágoa se vai num suspirar?
Para onde vamos quando a ternura escorre na areia e o frescor do beijo petrifica?
Para onde vamos quando a emoção insistente ressuscita mas chegamos ao fim da poesia?
Não sei dizer meu amor Mas tenho vontade de me levar para dentro do seu coração
E ficar ali silente em cada murmúrio seu ao luar
E me agarrar a cada batida dele pra não permitir que se vá
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