O palhaço andava triste. Devia dinheiro pra um negociante da alta: o acrobata.
Casado com a mulher barbada — as mais feias são mais vaidosas! E sofrem demais… —, o bufo gastava muito com véus e pílulas. Uma grana elevadíssima. Estava se virando pra pagar. O que entrava, num piparote sumia com os juros exorbitantes. No bolso largo, perdia a mão enluvada. Umas moedinhas infelizes: café & cigarro. Entrava no picadeiro com o andar pendente. A música alta. Os chacais da plateia e suas cabeças felizes enchendo-se de guloseimas. Olha maria moooooleeeee! Olha Minduiiiiim. Nada a fazer. Era só um palhaço. Como devia ser, curvava o corpo elasticodolor para além da claraboia, lá onde a lona mira o sol. E lançava o seu riso alucinado acima do voo do acrobata.
Romão é o domador do Circo. Por superstição, trançou fios de seu bigode à ponta do chicote. Com isso, pensa ele, as feras jamais se aproximam. Entre outros truques, mantém as calças bem apertadas para lhe empertigar melhor o corpo, imprimindo-lhe uma aparência de coragem. Romão é covarde e por isso precisa ser sempre cruel. Exige do dono do Circo que a remessa de alimentos das feras venha viva. Sua prática quase meditativa é deixar os leões com fome por uns dias e jogar uma presa ofegante dentro da jaula. Aprecia muito observar a captura e aniquilamento das vítimas. Porcos pequenos e de pernas curtinhas lhe dão um prazer especial. Uma de suas grandes ideias, inclusive, foi gravar o som lancinante dos víveres para, na hora em que se apresenta ao público, jogar como sutil música de fundo. Suspeita-se que seja por isso que as crianças caem na gargalhada durante este número. Romão já foi visto pelo palhaço devorando um dos coelhos do mágico. O palhaço, que deve dinheiro ao acrobata, aceitou manter o bico fechado em troca de algum troco. Romão também é o tesoureiro do Circo.
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