Cheguei em casa por volta das nove horas da manhã. Era primeiro de abril de 1964 e eu havia ido apanhar algumas mudas de roupa e me despedir de meus pais. Mamãe estava na cozinha quando chegamos, eu e o Aquiles. Ela abaixou o volume do rádio, que naquele dia transmitia somente marchas e dobrados, tirou o avental e nos recebeu com beijos. Não foi nem preciso que eu lhe dissesse o porquê de chegar, assim, sem mais nem menos. Com sua intuição sutil ela percebeu o que estava acontecendo. Sabia que eu estava indo em direção ao desconhecido. Por isso não disse nada. Preparou o café com leite, destapou a manteigueira e enquanto eu e Aquiles nos servíamos ela ficou muda. Tomamos o café em poucos minutos e ela nos acompanhou até o portão. Beijei-lhe a face molhada pelas lágrimas de seu pranto mudo e fui. Eu tinha 21 anos e Aquiles, acho que um pouco menos. Nosso plano era ir direto para o Sindicato dos Operários Navais de Niterói, onde faríamos contato com a resistência contra os golpistas. Porém, nem descemos do ônibus. O sindicato, os estaleiros e os bairros operários estavam ocupados pelos fuzileiros. Fomos direto para o apartamento de Aquiles. Assim que entramos Geraldo Reis levantou-se da poltrona e disse: “Vamos para a Amaral Peixoto. É hora de resistir”. Foi assim que de improviso, no dia primeiro de abril de 1964, fizemos a primeira manifestação popular contra o golpe em plena avenida principal de Niterói. Assim que terminou a passeata, Geraldo me abraçou e disse: “Essa merda não vai durar muito tempo”.
Os golpistas ficaram no poder por mais de vinte anos. Geraldo foi perseguido e demitido de seu emprego na Coletoria de Rendas e do colégio onde lecionava. Trocou o apartamento por uma casa modesta e morreu de tristeza anos depois. Eu fui para a clandestinidade e Aquiles seguiu carreira musical, fazendo da arte uma forma de participar da luta contra a ditadura.
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