Eu acho é uma estratégia muito da faceira esta de nos fazerem enxergar alguma poesia nos sofrimentos cotidianos. Não tem absolutamente nada de bonito em ofertar todo nosso tempo pro sistema, nem na chamada da TV que aponta para menino periférico que aprendeu inglês dormindo duas horas por dia, ou entrou na faculdade de medicina estudando no banheiro do trampo nas horas possíveis, nem nas mulherões da porra/heroínas/dupla, tripla jornada e tampouco em trabalhar doze horas e lembrar de repente que esqueceu do almoço, eita!
Nada disso é bonito, ao contrário, a gente tá é perdendo a cor, estamos pálidos, tristes, cheios de química, compensações, remédios, maquiagem e comida rápida. O que nos tornamos? Este romance piegas só é muito presente porque é ele que lubrifica esta enorme tora de lástima que o sistema nos “oferece” em bandejinhas florais. A gente nunca ia engolir isso se pelo menos não fosse honroso, se não rolasse pelo menos um mérito – algo como uma foto sem graça de funcionário do mês pregada na parede do próprio inconsciente, a meritocracia é a maior farsa de nosso tempo.
Nosso sacrifício virou produto do capitalismo, como qualquer outra coisa que pode agregar valor para o próprio, vendemos alguns almoços em família, algumas visitas ao tio no hospital, algumas risadas no karaokê com a galera, vendemos o primeiro tombo da filha, a morte do irmão, vendemos também as utopias, as histórias, vendemos nossa autonomia… – a troco de quê? Pela promessa de uma independência longínqua? Que pode ser que chegue quando a estrutura vampiresca já sugou todo nosso líquido vital? Quando a visão já se faz frágil, o paladar amargo, a musculatura frouxa…
Uma “independência” que para tantos, talvez nem chegue, e se chegar direcionará a nível inconsciente e até consciente todos nossos passos? É?…O que te restaria hoje?
________________________________ Bárbara Gimenez Parísios é atriz, arte educadora e contadora de histórias em São Paulo, SP.
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