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O velhinho oriental de terno preto, bengala e chapéu coco entrou na Perfumaria Samuray. Uma atendente perfumada conforme exigia o ambiente foi atendê-lo:
– Bom dia senhor, posso ajudar?
– Eu preciso falar com o proprietário desse estabelecimento. -foi seco.
A atendente ficou ligeiramente desconcertada:
-Com proprietário? Mas…não posso eu mesmo te ajudar?
-Não. Só o proprietário. -foi ainda mais seco e incisivo.
-Não pode ser o gerente? -Não.
A moça olhou em volta, fez sinal para a supervisora; que se aproximou.
-Esse senhor disse que quer falar proprietário.
-Com o proprietário? – pareceu confusa. Não podemos nós mesmo ajudá-lo, senhor? E ele, no já conhecido tom incisivo: – Não.
– O gerente talvez?
– Não. Só o proprietário.
Supervisora e atendente se entreolharam. Na verdade nem mesmo sabiam quem era o proprietário da perfumaria. E por que haveriam de sabê-lo? Recebiam ordens e salários do gerente, a quem também repassavam os problemas que porventura tivessem que ser resolvidos.
Resolveram repassar este problema do senhor bem vestido também.
A supervisora pediu licença dizendo que logo estaria de volta. Demorou dez minutos e voltou comunicando:
– Senhor, o gerente vai atendê-lo daqui a pouco.
– Mas eu preciso falar como proprietário. – o tom continuava incisivo.
– Senhor… queira esperar um minuto.
Ele apoiou-se na bengala, bem no centro da loja, cercado por frascos de perfumes, sabonetes, talcos, loções. Tal era sua imobilidade, que poderia aludir a um manequim de cera.
Meia hora se passou, e ele continuava absolutamente imóvel, encarando o nada; sob o olhar perplexo das funcionárias.
Por fim, o gerente chegou. Cumprimenou o senhor:
– Bom dia senhor. Em que posso ajudar?
– Preciso falar como proprietário desse estabelecimento.
– Senhor, de que se trata?
– Um assunto que só posso tratar com ele.
– Mas o problema é que ele não se encontra, senhor… – o gerente já ligeiramente irritado.
O velho fincou de novo a bengala no chão e apoiou-se nela, do mesmo jeito que estava quando da chegada do gerente.
– Então esperarei por ele.
– Mas senhor…
– Quando o proprietário chegar, diga que preciso vê-lo.
O gerente ainda quis dizer algo, mas calou-se. Afastou-se a passos largos de volta para seu escritório, bufando. Já não bastassem todas as responsabilidades – aliás, responsabilidades superiores até mesmo às do proprietário – ainda era obrigado a lidar com chiliques dos clientes! E por aquele salário miserável? Absurdo!
Olhou para trás: o velho estava lá, imóvel, no centro da loja. De longe parecia mesmo um manequim.
“Pois que fique aí até cansar”” E voltou para o escritório.
Mas o velhinho não cansou. Ficou algumas horas absolutamente imóvel no centro da loja. Depois sentou-se numa cadeira no centro da loja. Depois sentou-se numa cadeira alí perto. As atendentes apenas observavam, sem ânimo de expulsá-lo. – afinal, ele parecia ter dinheiro. E muito, vista a elegância de suas roupas e de sua bengala.
Ele só deixou seu posto minutos antes da loja fechar.
No dia seguinte, mal a loja havia aberto, lá estava o velho. A mesma roupa, a mesma bengala, a mesma elegância. Como não econtrasse o proprietário, voltou no dia seguinte. E no seguinte. E no seguinte a esse. Sempre a mesma roupa, a mesma bengala, o mesmo olhar perdido. Sempre parado no meio da loja, sob os olhares perplexos das atendentes e do gerente, que acompanhava o caso com particular curiosidade e irritação.
Várias vezes ao longo da semana, ele ordenou que tentasse vender algum produto ao velho. Mas ele nada comprou. Perfumes, sabonetes, óleos de banho, incensos, velas aromatizadas. Nada.
Pensou em expulsar dalí o cidadão – oras, ocupando espaço bem no meio da perfumaria?! Mas decidiu não fazê-lo. De qualquer jeito, o maldito parecia ter muito dinheiro. E nunca é bom tornar-se inimigo de quem possui o vil metal, já bem sabia o gerente.
Por fim, no quinto dia de espera, eis que o proprietário da loja surge. Mal colocou o primeiro pé dentro da perfumaria, o velho deixou seu posto e foi até ele.
– Você é o proprietário daqui?
– Sim, sou eu… – respondeu, confuso.
O velho tirou um cartãozinho de dentro do bolso do colete e exibiu-o ao proprietário:
– Aqui…vê? – apontou para a letra y no final de “Perfumaria Samuray”. Está errado. O correto é samurai. Com i.
Dito isso, meteu o cartãozinho no bolso, e deixou a loja sem se despedir. E nunca mais retornou.
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