Bastidores de gravação. Crédito @redekatahirine . Nesse ano, a data comemorativa dos povos indígenas no Brasil completa exatos 80 anos, mas, ao longo desse tempo, como têm sido as celebrações sociais que envolvem esse dia? Para além das datas festivas, qual tem sido a capacidade de dialogarmos, compreendermos e aprendermos com esses povos e seus universos? Na contramão das tão comuns homenagens romantizadas e estereotipadas, a tese da antropóloga e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine), Sophia Pinheiro, que teve como orientadora a professora Karla Holanda do Departamento de Cinema e Vídeo e pesquisadora do PPGCine, apresenta uma proposta inovadora e cheia de sensibilidade. Na pesquisa, Sophia busca historicizar o cinema indígena feminino brasileiro a partir de filmes de mulheres diretoras e que também ocupam outras funções, dos anos 2000 (primeira data de que se tem conhecimento de uma direção feminina indígena) até o presente. Esse processo, segundo a pesquisadora, se deu “sem colocar os filmes que elas fazem em relação ao cinema não indígena, para que ele não seja a régua do que estão produzindo – visto que suas construções dizem respeito às comunidades e a elas mesmas em relação às comunidades e suas subjetividades”, enfatiza. O mapeamento fará parte do Site Katahirine – Rede Audiovisual de Mulheres Indígenas do Brasil, a primeira plataforma a reunir as produções das mulheres indígenas cineastas no país, contendo filmes, biografias, imagens, filmografias e textos complementares de suas autorias ou que falem sobre os trabalhos realizados por elas. A Rede Katahirine foi concebida pelo Instituto Catitu, organização que atua junto aos povos indígenas para o fortalecimento do protagonismo das mulheres por meio do uso de novas tecnologias. . Imagem de divulgação da chamada para o mapeamento das mulheres indígenas cineastas brasileiras. Fonte: Oca Observatório/UFF. . Sophia contou com a colaboração de cineastas indígenas no desenvolvimento do seu trabalho; em especial, de três mulheres, protagonistas de sua tese de doutorado: Graciela Guarani, Patrícia Ferreira Pará Yxapy e Flor de María Alvarez Medrano. Da etnia Guarani Kaiowá, Graci vive na aldeia Pankararu, em Pernambuco, e Patrícia que é Mbyá-Guarani, na aldeia Ko’enju, no Rio Grande do Sul. Flor Medrado é Maya e residente na cidade da Guatemala, na Guatemala. Juntamente com elas, a pesquisadora desenvolveu o projeto “sentir, pensar e agir: o fazer artístico-cinematográfico de mulheres indígenas na América Latina”, aprovado pelo Fundo de Arte e Cultura de Goiás (06/2018), para executar o trabalho de campo da pesquisa. O projeto prevê também uma websérie com conversas entre elas, contando sobre seus trabalhos e experiências, por meio de um canal no YouTube com audiodescrição; um Instagram com o diário de campo e uma plataforma com algumas das informações da pesquisa. De acordo com a pesquisadora, “as imagens e os filmes das mulheres indígenas perturbam e reencantam o cinema, alargando nosso modo ver, pensar e fazer, sentindo, pensando e agindo, em um chamamento para ver com outros olhos – aquele olhar da manhã, a primeira abertura dos olhos depois de uma noite sonhando. Ver não apenas com os olhos, mas com todo o corpo e sentimento, ver com os olhos dos pássaros, da capivara, da onça, ver como veem fungos, plantas, divindades; fazer as imagens de outro modo, em colaboração com as pessoas e outros agentes do mundo visível e invisível, encantando as imagens e o pensamento, criando teias de afeto e sonhos. Movimentando as imagens junto com a vida, porque acontecem com a vida. Esses são os cernes do sentipensamento que as mulheres originárias nos inspiram”. . Crédito da fotografia: Divulgação @redekatahirine . A orientadora da pesquisa, Karla Holanda, que atualmente desenvolve trabalhos sobre mulheres no cinema e organizou dois livros nos últimos anos envolvendo essa abordagem (“Mulheres de cinema” e “Feminino e Plural: mulheres no cinema brasileiro”), sinaliza para como a perspectiva feminina na tese de Sophia traz nuanças próprias e muito ricas. “Nós, da sociedade dita civilizada, fomos educados a desconhecer a riqueza da cultura indígena, para além do superficial e folclórico. Ao nos aproximarmos de ameaças evidentes ao nosso meio, como extinção de vidas, inclusive a humana, e eventos extremos cada vez mais frequentes, começamos a desconfiar de quem tem, de fato, exercido o papel de bárbaro na sociedade – definitivamente, não são os povos que sempre se preocuparam em preservar as florestas e que defendem um estilo de vida autossustentável. Nesse sentido, a tese da Sophia é uma contribuição muito significativa para a sociedade, no sentido de difundir saberes, pensamentos, maneiras de viver e lógicas de interpretar o mundo que o cinema indígena feito por mulheres nos apresenta e ensina”, finaliza. Veja mais no perfil: instagram.com/redekatahirine Lançamento oficial da Rede: Dia 29/04 às 19h no canal do Instituto Catitu . Fonte: UFF