O DNA carrega as instruções necessárias para produzir o nanocorpo em laboratório e a bactéria será a fábrica, ou biofábrica
Um grupo formado por 21 estudantes do curso de Biotecnologia da UNILA está propondo uma nova estratégia no combate à dengue utilizando ferramentas de biologia sintética para construir nanocorpos – um anticorpo com dimensões mínimas – para neutralizar o vírus da doença ainda no mosquito Aedes aegypti. A pesquisa também vai ser apresentada em uma competição internacional.
Nanocorpos são proteínas que funcionam como anticorpos, mas são muito menores, mais estáveis e mais fáceis de produzir. Assim como os anticorpos tradicionais, eles reconhecem e neutralizam agentes invasores, como vírus e bactérias. Entre os tipos de anticorpos conhecidos, os convencionais (como os dos humanos) são os maiores. Já os camelídeos (como lhamas e camelos) e alguns peixes cartilaginosos, como tubarões, possuem anticorpos menores. A partir desses anticorpos especiais, é possível isolar uma parte funcional chamada nanocorpo, que tem cerca de um décimo do tamanho de um anticorpo convencional (veja ilustração).
A pesquisa dos estudantes busca criar um nanocorpo que impeça o contato físico entre o vírus da dengue e as células do mosquito. “Na natureza, as coisas acontecem por interações físicas, ou seja, contato físico. O vírus entra no corpo do mosquito por uma interação muito simples. Ele tem uma proteína que se encaixa perfeitamente nas células do estômago do mosquito. A partir daí, pode ingressar e começar a se multiplicar. Os nanocorpos vão agir nessa região específica de contato entre a proteína do vírus e as células do Aedes”, explica o docente Cristian Rojas, que é o orientador do grupo de estudantes. “É como tapar uma fechadura com uma massa para impedir que a chave entre e abra a porta”, compara. “Com essa barreira física, o vírus não poderá ingressar no corpo do Aedes, nem se multiplicar. Será digerido no estômago do mosquito.”
O primeiro passo – aquele que mais exigiu dedicação na pesquisa – foi buscar anticorpos humanos que conseguissem neutralizar o vírus, como conta o estudante Luis Eduardo Figueroa Ribera. O levantamento em bancos de dados demorou dois meses das suas férias, mas ele teve sorte: encontrou um anticorpo que reconhece a proteína do vírus. “Depois a gente obteve a estrutura tridimensional da proteína do vírus que foi colocada junto com o anticorpo humano para saber quais partes interagem e conseguem neutralizar”, conta Luis.
“O principal desafio era encontrar um jeito de desenhar esses nanocorpos porque essa tecnologia é nova. O programa que a gente está usando para isso saiu no ano passado. Encontrei um artigo que ainda está em revisão por pares, está bem escondido na internet, com todo o código necessário”, conta Luis. “Só que ele não é tão fácil de usar”, ressalva.
A segunda fase da pesquisa consiste em “expressar o nanocorpo” em uma bactéria, ou seja, fazer com que uma bactéria, no caso a Escherichia coli (E. coli), produza o nanocorpo desenhado pela equipe. “Nós obtivemos o DNA desse nanocorpo. A gente vai inserir o DNA dentro de uma E. coli e ela vai desenvolver esse nanocorpo. Vamos purificá-lo e tentar demonstrar se realmente existe afinidade entre ele e a proteína viral”, explica Luis.
O DNA carrega as instruções necessárias para produzir o nanocorpo em laboratório e a bactéria será a fábrica, ou biofábrica. “Com as instruções corretas, a bactéria vai fazer a proteína que se deseja”, explica Cristian. “Com técnicas supersofisticadas, colocamos o DNA, as instruções, na bactéria para que ela saiba exatamente o que ela tem que fazer”, completa, explicando que a E. coli é a bactéria mais utilizada atualmente em engenharia genética porque ela é segura. “É uma máquina biológica que você controla perfeitamente.”
A terceira etapa da pesquisa é a comprovação de que o nanocorpo produzido vai conseguir se ligar à proteína do vírus da dengue e impedir a contaminação do Aedes. Na sequência, uma outra bactéria vai entrar em cena: a Serratia marcescens, que já faz parte da microbiota natural do mosquito. Ela será a segunda fábrica de nanocorpos e, por estar presente naturalmente no mosquito, vai carregar consigo os nanocorpos para serem transmitidos para as próximas gerações, na chamada transmissão vertical, sem necessidade de intervenções constantes.
O estudo leva em consideração um quesito muito importante na biologia sintética: a preocupação com a biossegurança. “A Serratia modificada vai ter um mecanismo para evitar que ela ‘pule’ para natureza, para evitar o escape”, destaca Cristian. No caso, o escape significa uma transmissão da bactéria. Sebastian Marquez Sanchez, integrante da equipe, foi designado especialmente para criar esse mecanismo de segurança. “Estou pesquisando vários métodos para criar a biocontenção”, conta.
O projeto será apresentado na International Genetically Engineered Machine (iGEM), uma competição que reúne iniciativas científicas do mundo todo voltadas para a resolução de problemas reais com base em técnicas de engenharia genética e biologia sintética. Neste ano, 400 equipes de todo o mundo participarão da disputa. Esta é a terceira vez que estudantes da UNILA participam da competição, que é realizada desde 2004.
Maria Eduarda Catalan, coordenadora da equipe, diz que um dos entraves são as altas taxas que necessitam ser pagas pelas equipes. Para uma delas, o grupo contou com apoio do Itaipu Parquetec, mas existem outras. Eles precisam arrecadar ainda 3 mil dólares. Por isso, além de patrocínios específicos, também criaram uma vaquinha. “Nosso tempo é curto. A gente fez um trabalho maravilhoso até agora, mas precisamos desses valores para podermos participar do encontro presencial e do julgamento e estarmos aptos para ganhar as medalhas que a gente almeja”, comenta. A equipe está dividida em vários grupos, responsáveis por diferentes frentes de ações, como numa empresa. “Foram horas de discussão até aqui. É um projeto gigantesco e só é possível porque é um trabalho coletivo muito forte”, elogia Cristian.
Maria Eduarda destaca que a pesquisa em curso é apenas um dos projetos do Clube de Biologia Sintética – Synfronteras. “Tínhamos vários projetos, a gente escolheu o da dengue para seguir e já está com vários projetos derivados deste e várias ideias”, orgulha-se. Um destes projetos derivados, conta Luis, é produzir um tratamento antiviral para a dengue, também a partir de nanocorpos, e que possa ser usado em humanos. “Utilizei outra ferramenta para ‘humanizar’ esse nanocorpo que a gente está fazendo. Essa humanização refere-se a um aprimoramento da sequência para que ela seja o mais parecida possível com a sequência de um anticorpo humano”, diz. “Isso impediria que o corpo humano reconhecesse esses nanocorpos como alguma coisa estranha e gerasse anticorpos contra ele, ou seja, a humanização é para que o corpo não elimine os nanocorpos e para que possam ter um efeito terapêutico em pacientes com dengue, principalmente, pessoas com dengue hemorrágica”, completa. O orientador Cristian Rojas ressalva que esse é um processo que demanda várias ações. “É muito mais complexo porque aponta a um tratamento clínico. Se esse projeto sair do papel, vai ser um processo mais longo, mas é super importante.”
Um pouco mais ágil seria a produção de kits de diagnóstico para a dengue com base na técnica Elisa (ensaio de imunoadsorção enzimática) que é usada para detectar e quantificar substâncias como proteínas, anticorpos, hormônios e antígenos em amostras biológicas. “Nas placas são colocados anticorpos conjugados com uma enzima, que vai fazer com que o vírus fique ‘grudado’. Com o reagente as amostras positivas mudam de coloração. A ideia é substituir esses anticorpos pelos nanocorpos”, explica Luis. A vantagem do método é ter um custo menor. “Com sorte até o final do ano a gente já estaria com uma patente.”
Estudantes que fazem parte do projeto de pesquisa com o orientador Cristian Rojas: equipe busca premiação em disputa internacional
A equipe também está fazendo um levantamento, por meio de um questionário, para entender o que a população da Tríplice Fronteira sabe sobre a dengue e como percebe o uso da biologia sintética no combate a essa doença. Eles esperam compreender melhor as percepções e conhecimentos da comunidade que permita uma abordagem mais segura, responsável e conectada com a realidade de Foz do Iguaçu. Aqueles que quiserem colaborar basta preencherem o formulário neste link.
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