Eu te aprendi cidadeteus carregadores de marmitas frias teus trilhos de estômagos vazios teu relógio cardíaco teu templo de potes de ouro tua barriga de lombrigas teu fogo gélido torrando o pão.Eu te conheço e saúdoa manhã vazando teu pulmão de ônibus bufando lama e óxidos, a manhã lavando calçadas e o sangue que grudou no asfalto e em tua história. Digo bom dia, com medo da resposta, e caminho entre conhecidos caras, casas, árvores, no meio da praça um lambe-lambe pede sorrisos para o pássaro ferido.Eu te conheço cidadee sei de teus meninosfumando e levantando voo.Sei também de teus patrõesdomando dias e noitesescarrando em toda dignidade.Sou irmão de teus bandidos famintosde tuas meninas prostitutasde teus meninosarrebentando vidraças.Sei teu cheiroteu cheiro de barracões entupidos de caféde bares ferventesde bolsos entupidos de dinheirode cinturões apertando corpos famintos.Eu te conheço e sinto todos os poroste sentirem roxa e visceralmente roxapor toda a parte. Dentro do cinzeiroardendo o calor de tuas noitesvadiasem teus becosfavelas, esquinas e botecosem tua vida.Sou testemunho, cidadeEngraxo meus olhoscom bueiros entupidose nos trilhos da estaçãorepleta de saudade,uma viola de ternurasola ao peito nomes de amigose a cara triste de roceiros no vai e vem.Eu te conheço cidade maldita e querida cidadeTeu chão, tua lei, a lei dos que não cedem espaço dos que vendem diariamente, camelos engravatados. Seu naco, à revelia e rebeldia de tua vidagerada por cafeína a esperma, pioneiro e cadáver de tuas horas, a febre que te engravidou,esta poeira endiabrada, as tetas desta lama. Conheço tuas fábricas que arrotam estrumes e operários amassados, sei deles.Sei de tuas mulheres que esfregam e espremem seus saláriose nos acenam mãos vazias.Cidade, cidade, saúde teus loucos me dizendo bomtriste, inflacionado, esperançoso dia, impresso em manchetes policiais no embrulho das feiras e verduras. Não, cidade, não nos deixemos liquidar em bazares.Jogo uma moeda ao fundo do teu lago e confesso:só queria te fazer um poema.
__________________________Nilson Monteiro, escritor, jornalista e poeta paranaense.
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