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O Brasil precisa de mais Policarpos Quaresma. Na verdade, se cada um de nós possuísse apenas um décimo do amor de Quaresma pelo Brasil, nosso país seria outro. É claro que o patriotismo do personagem é extremo, quase caricato: ele quer mudar a língua oficial para tupi-guarani e trabalha de cocar, entre outras excentricidades. Mas a mensagem é belíssima. O filme, baseado no livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é uma farsa repleta de momentos hilários (como a seqüência do batalhão de loucos) e, também, líricos (como a cena em que Policarpo `faz amor` com a terra, sob a chuva). O universo criado pelo diretor Paulo Thiago não é o nosso nem o de 100 anos atrás. Aqui os personagens se comportam de uma maneira tão atípica que o espectador chega a ter a impressão de estar assistindo a um tele-teatro. Esse distanciamento da realidade contribui ainda mais para o impacto da história. Para quem ainda não teve a oportunidade de ler o livro, a sinopse é a seguinte: Policarpo Quaresma é um homem completamente alucinado pela idéia de fazer do Brasil um país grandioso. Para conseguir esse objetivo, ele bola estratégias amalucadas, prega o retorno do tupi-guarani e insiste em redigir documentos oficiais (ele é funcionário público) nesta língua. Finalmente, ele é enviado a um hospício, onde acaba convencendo o médico responsável de que ninguém ali é louco. `A média dos medíocres não deveria ser a lei.`, passa a argumentar o próprio Dr. Mendonça. A partir daí, Quaresma resolve se dedicar à agricultura, cedendo, inclusive, boa parte de sua propriedade a um grupo de `Sem-Terra` que lhe pedira auxílio. O filme ainda conta a Revolta da Armada, quando Policarpo oferece seu apoio ao então Presidente Floriano Peixoto. Paulo José está simplesmente fabuloso como o personagem-título. O ator transmite tamanha sinceridade e ingenuidade, que não há como a platéia não se render a Policarpo e torcer por ele. Seu patriotismo contagia. De um otimismo incurável, Quaresma chega a redigir um Memorial que, de acordo com ele, `resolverá todos os problemas do país.`. No entanto, o filme tem alguns problemas graves, que comprometem o resultado final: a personagem Olga (Giulia Gam), por exemplo, não se encaixa no contexto da história, realmente. Suas cenas funcionam como uma espécie de anti-clímax durante toda a projeção. Seu drama, sua relação com o marido, seu amor por Quaresma são mostrados de maneira tão `pesada` que simplesmente parecem pertencer a outro filme. Há uma cena protagonizada por ela, já no final, que de tão dramática soa falsa, `deslocada`. Giulia Gam tem um bom desempenho, não há dúvidas quanto a isso. Porém, sua personagem não merecia – ou não deveria – ter tido tanto destaque. Além disso, a produção preocupou-se tanto em se cercar de atores `globais` que chegou a fazer algumas escolhas inadequadas. O marido de Olga, vivido pelo ator Fernando Eiras, é um exemplo disso. A atuação de Eiras deixa a desejar e, dada a importância conferida pelo roteiro de Alcione Araújo ao conflito entre ele e a esposa, compromete bastante. É claro que nem todos estão `deslocados`: a presença de Chico Diaz é luminosa, bem como a de Jonas Bloch. Os demais estão apenas corretos. Uma pergunta: por que não dar chance a atores menos marcados? Até os personagens `sub-coadjuvantes` ganham intérpretes famosos. Um desperdício de talento e oportunidade, realmente (Aracy Balabanian quase não aparece no filme!). Finalmente, o filme é um pouco longo demais. E o pior é que existem cenas, já próximas do final, totalmente dispensáveis, como aquela em que Olga conversa com seu pai sobre o destino de Policarpo e aquela em que Ricardo Coração dos Outros discute com Genelício. Se tivesse quinze minutos a menos, o filme sairia ganhando. Apesar dessas pequenas `falhas`, Policarpo Quaresma, Herói do Brasil é um filme que deve ser visto e apreciado por suas qualidades, a saber: um personagem principal maravilhoso (com uma interpretação de Paulo José à altura; uma história farsesca e extremamente divertida; uma parte técnica bastante competente (destacando-se, aí, a Direção de Arte e os Figurinos) e, finalmente, uma direção correta que valoriza o potencial da história. Policarpo Quaresma é, em suma, nosso D. Quixote. Aliás, esta comparação chega a ser literal no momento em que o personagem está exterminando as saúvas de seu milharal: usando uma máscara para se proteger do gás, Policarpo parece estar com um elmo na cabeça, deixando apenas seu cavanhaque e seus pontudos bigodes à mostra, numa reprodução fiel do herói de Cervantes. Além disso, é maravilhoso seu amor pelo nosso país e o que ele é capaz de fazer para conseguir alcançar seus objetivos. `Nossa nação é mendiga de heróis.`, diz ele em certo momento. Já não é mais: Quaresma ocupa, magnífico, este posto. 21 de Maio de 1998 ______________________ Pablo Villaça, crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil.
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