O médico austríaco Sigmund Freud (1956-1939), criador da psicanálise – Foto: Domínio Público/Wikimedia Commons
“O médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939) criou, ao mesmo tempo, um novo olhar sobre o ser humano, uma clínica e uma forma diferente de ver a sociedade.” É o que afirma o pesquisador Rafael Duarte Oliveira Venancio, doutor e pós-doutor pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e autor do radiodocumentário O Ouvido Psicanalítico: 165 Anos de Freud, que será exibido a partir deste domingo, dia 18, no programa Universidade 93,7, da Rádio USP (93,7 MHz).
Em sete capítulos, a série marca o dia 6 de maio, data de nascimento de Freud. Os episódios apresentarão entrevistas sobre a vida e obra do médico austríaco, sua importância para o século 21 e os trabalhos desenvolvidos atualmente por psicanalistas e pesquisadores que utilizam as ideias freudianas para compreender diferentes facetas do homem e da sociedade. Dentre os entrevistados estão nomes como Waldir Beividas, Renato Mezan, Eugênio Bucci e Mayra Rodrigues Gomes, entre outros.
O pesquisador Rafael Duarte Oliveira Venancio – Foto: Arquivo pessoal
Venancio conta que a produção surgiu do convite do professor Luciano Maluly, do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, responsável pelo programa Universidade 93,7. O pesquisador, que também é psicanalista, enxergou na data comemorativa a oportunidade de apresentar os trabalhos de Freud em formato de documentário. Também foi motivação para a escolha do tema o aumento da procura pela psicanálise durante o período de pandemia.
“Entrevistei professores de vários institutos da USP, da PUC e de outros institutos particulares, juntando pesquisadores de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná para falar um pouco sobre os 165 anos de Freud, dicas de livros e histórias, particulares e do próprio Freud.” Além disso, a ideia do radiodocumentário é mostrar como pesquisadores e pessoas que não são psicanalistas utilizam as ideias freudianas.
Venancio destaca os três primeiros episódios. “Acho que são indispensáveis para qualquer pessoa que quer aprender psicanálise ou tem interesse por ela”, diz. O primeiro deles, que estreia neste domingo, dia 18, traz entrevista com o professor Waldir Beividas, do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que trabalha com a intersecção entre psicanálise e semiótica, conforme aponta Venancio. “É muito completo. O professor dá uma grande aula, resume em 25 minutos a vida de Freud e seus livros, com uma clareza impressionante.”
Já no segundo e terceiro capítulos o entrevistado é o professor Renato Mezan, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. “No Brasil ele é hoje um dos nossos principais psicanalistas, uma figura que há 40 anos tem liderança na formação de psicanalistas, tanto na clínica como nessa relação entre psicanálise e cultura”, explica Venancio. “No programa, conto também um pouco da minha relação com a psicanálise, e que o primeiro livro que li, Freud, Pensador da Cultura, foi de Renato Mezan, quando eu era criança, porque minha mãe fazia especialização em psicopedagogia. Ele marcou minha forma de ver a psicanálise como crítica da cultura”, relata.
Para Venancio, a diversidade entre os entrevistados é um dos destaques do radiodocumentário, que, além de profissionais com anos de experiência, celebrados na área, traz também pesquisadores iniciantes. O sexto programa, por exemplo, inclui uma conversa com o professor Marco Leite, do Instituto Espe, em Londrina (PR). “Ele é psicólogo e está formando psicanalistas. É muito jovem, está na linha de frente, com milhares de seguidores no Instagram, onde faz lives. É alguém com uma linguagem totalmente diferente.”
Na visão de Venancio, Freud pode despertar curiosidade nas pessoas que querem conhecer além de suas ideias mais populares, como o conceito do complexo de Édipo. “Com os sete programas, essas pessoas vão poder aprender um pouco sobre Freud. Acho que é também uma função da Universidade fazer essa extensão, levar as ideias dele para um público mais amplo, de uma maneira mais fácil e mais instigadora”, completa o pesquisador.
Sigmund Freud, conhecido como o Pai da Psicanálise, nasceu na Áustria em 1856 e foi médico neurologista. “A partir do momento em que foi envelhecendo, ele percebeu que uma abordagem tradicional, medicamentosa, com intervenções físicas, como choques, não aplacava as dores psíquicas daquelas pacientes conhecidas como ‘histéricas’”, diz Venancio. Ele explica que a histeria — da palavra grega hyster, que significa útero — era tratada como uma doença exclusivamente de mulheres.
Nesse contexto, uma nova forma de pensar foi desenvolvida a partir do contato com seus contemporâneos, como o francês Jean-Martin Charcot, com quem estudou hipnose, e amigos neurologistas, médicos e psiquiatras. “São pessoas que começam a entender um pouco sobre o paciente ter uma fala, e que é função do analista ouvi-la e fazer microintervenções interpretativas para ajudar essa fala a retornar ao paciente em forma de cura”, relata o pesquisador. Freud também pode ser considerado “o grande descobridor do inconsciente, uma dimensão humana à parte”, nas palavras de Venancio.
Freud escreve A Interpretação dos Sonhos, publicado em novembro de 1899, mas já com a data de 1900, “com essa ideia de que vinha um novo século em que o inconsciente seria importante”, diz Venancio. A partir desse marco, Freud começa a fundar a psicanálise, “pensada sobre as pulsões de vida e sobre a questão do papel da sexualidade nisso”.
O Mal-Estar na Civilização, de Sigmund Freud – Foto: Wikimedia Commons
“Em 1921, um Freud bem mais velho, já experiente, cria os conceitos chamados ego, superego e id para funcionalizar as áreas do consciente, pré-consciente e inconsciente. E a partir dessas noções estabelece fases para os complexos de origem sexual — oral, anal, fálica etc.” O neurologista também se estendeu para uma análise de mundo maior. Com um livro de 1930, O Mal-Estar na Civilização, e em toda essa última década, até sua morte em 1939, “Freud se dedica a criticar a sociedade, a religião, e levar a psicanálise não só para uma situação clínica, mas de interpretação mais ampla”.
Para Venancio, a importância de Freud está justamente no fato de ter criado, na verdade, três coisas ao mesmo tempo: “Ele cria um olhar diferente sobre a mente humana, ou seja, o ser humano não é apenas o consciente, ele também é o inconsciente e suas formas de controle e de impulsos. Na segunda parte, ele cria uma clínica, que chamamos de psicanálise. Por último, cria algo que ele mesmo deixou um pouco incompleto, que é a psicanálise como cosmovisão — da palavra alemã Weltanschauungen —, ou seja, um olhar para o mundo”.
A psicanálise se difere de outras práticas por criar um campo de conhecimento à parte, mas que tem intersecções com os campos tradicionais. “Não é um movimento dentro da psicologia ou da medicina. Ela é separada, autônoma, e conversa com a medicina, a psicologia, a antropologia, a crítica literária, as artes, a comunicação”, explica Venancio. “O lugar do psicanalista não é só aquela situação do divã. O psicanalista é algo mais amplo e também heterogêneo.”
Os estudos de Freud, relevantes até os dias de hoje, podem ajudar a compreender as angústias decorrentes da crise da covid-19.
O pesquisador aponta três textos do autor que estão sendo revisitados com frequência neste período de pandemia. “Um deles é O Mal-Estar na Civilização. Essa obra, que Freud escreve em 1930, antes da ascensão do nazifacismo na Alemanha — que anexaria a sua Áustria natal, fazendo com que ele, de família judaica, tivesse de fugir para Londres e morrer no exílio —, é um texto muito lembrado sobre a questão dos autoritarismos.”
Outro texto é Psicologia das Massas e Análise do Eu, em que Freud também trata sobre figuras autoritárias e o porquê de serem admiradas. “Muitas pessoas leem o momento atual do Brasil utilizando esse texto.”
Uma última leitura que Venancio destaca é Luto e Melancolia. “É um pequeno texto, muito bonito e profundo, em que distingue o que é o luto, que é um processo natural da perda da relação de objeto, do que é a melancolia, que hoje se aproxima um pouco da nossa noção de depressão.” Freud apresenta um estudo de patologia psicanalítica, “que nos faz entender um pouco não só sobre a morte de entes queridos, mas sobre sentirmos, às vezes, melancolia de hábitos que tínhamos antes, talvez de irmos ao teatro, ao cinema… Pequenas coisas que fazíamos antes da pandemia e que não temos garantias de que no novo normal haverá”.
Cartaz do radiodocumentário O Ouvido Psicanalítico: 165 Anos de Freud – Imagem: Divulgação/Universidade 93,7
O primeiro episódio do radiodocumentário O Ouvido Psicanalítico: 165 anos de Freud será transmitido pela Rádio USP (93,7 MHz) neste domingo, dia 18, às 11 horas. Os outros seis episódios serão apresentados nos domingos seguintes, até 30 de maio. O programa Universidade 93,7 vai ao ar pela Rádio USP sempre aos domingos, às 11 horas, inclusive via internet, através da página da emissora.
Por Jornal da USP
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