A luta em torno das prerrogativas legais das comunidades tradicionais deverá se intensificar a partir de agora no Congresso Nacional. Foi lançada, nesta quinta-feira (4 de abril), a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, que terá um total de 248 parlamentares, sendo 219 deputados e 29 senadores.
O grupo será protagonizado pela deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena a ocupar uma cadeira na história da Câmara dos Deputados. Articuladora também da criação da Frente, Joênia comemora a iniciativa, considerada um avanço na defesa institucional dos povos tradicionais.
“Já deveria ter tido isso há muito tempo, porque nós somos parte deste Brasil. E, pra mim, é um compromisso, porque eu já faço a defesa dos povos indígenas há alguns anos. Como venho da Amazônia e de uma comunidade indígena, era essencial que fizesse isso”, afirma.
O grupo, composto por membros de diferentes legendas – como, por exemplo, Rede, Psol, PT, PSB, PCdoB e PDT –, deverá fazer oposição à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), conhecida popularmente como “bancada ruralista”, que aglutina atores ligados ao agronegócio.
Segundo Joênia, uma das principais missões da nova frente será garantir, em meio a um Legislativo hegemonizado pelo ruralismo e por pautas de caráter anti-indígena, a escuta dos povos tradicionais por parte do parlamento nas pautas que atingem as comunidades.
“A própria Constituição fala em ouvir as comunidades e a Convenção 169, da OIT, garante que todo processo ou medida legislativa ou administrativa que venha a ser tomada deve ter um processo de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, pra que eles possam colocar as suas preocupações”, lembrou, destacando a existência de mais 300 povos e de 188 línguas indígenas no Brasil.
Segundo os organizadores, a frente deverá se articular com as pautas do movimento indígena em caráter nacional.
Entre outras coisas, estão no escopo de atuação do grupo temas como: o combate à municipalização da saúde indígena, colocada pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL); a tentativa de reversão das mudanças administrativas que esvaziaram a atuação da Funai por meio da Medida Provisória (MP) 870, editada nos primeiros dias do atual governo; e a continuidade da luta em defesa das demarcações de terra, que tem centralidade histórica na mobilização indígena.
Para o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara e atual coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, a nova frente da Casa poderá ser peça fundamental para ajudar a travar o andamento de matérias de interesse da bancada ruralista.
Ele avalia que, para o momento atual, a prioridade deverá ser a tentativa de devolução dos processos de demarcação de terra para a Funai. Atualmente, essa competência fica a cargo do Ministério da Agricultura, que tem à frente a ruralista Tereza Cristina.
Para Molon, a mudança tem chances de ser revertida por meio de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), onde corre uma ação protocolada pelo PSB questionando a alteração. Ou, ainda, pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, que agora passa a compor o jogo político no âmbito do Congresso Nacional.
“Eu já tive experiências aqui muito impressionantes da força dos indígenas pra impedir avanço de pautas muito ruins pro Brasil. Sem contar com todo o apoio que eles têm na sociedade civil brasileira, de forma que essa mobilização é capaz de ter um peso aqui dentro que multiplica a força dos parlamentares que os defendem na Casa. Nós somos minoria, mas, com eles e a sociedade civil, a gente se torna maioria aqui”, comemora o deputado.
A defesa dos povos indígenas ameaçados por pautas de caráter ruralista na região amazônica também deverá ser reforçada pela atuação da nova frente parlamentar. É o que considera a coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Nara Baré, que representa mais de 180 comunidades tradicionais de nove estados.
Ela cita como exemplos o combate aos projetos de continuidade da BR-163; da hidrelétrica de Cachoeira Porteira, no Pará; a proteção dos lençóis d’água na região amazônica; e a oposição ao Projeto de Lei (PL) 1610/96, que pretende liberar a mineração em terras indígenas.
“Nós não somos contra o desenvolvimento. A gente só não quer o desenvolvimento de qualquer jeito, que destrói e vai passando o trator sem pensar na vida de todos, então, a gente precisa envolver todos pra poder ter o bem comum”, pontua a coordenadora-geral da Coiab, citando a importância do engajamento da Frente.
_________________________De Brasil de Fato / Cristiane Sampaio
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