Ensaio fotográfico revela a realidade de andarilhos e moradores de rua de Foz do Iguaçu. O repórter fotográfico Marcos Labanca captou “moradias” em ruas, avenidas, imóveis abandonados e lotes baldios.
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A imensa barba branca esconde as marcas da vida no rosto de um antigo andarilho de Foz do Iguaçu. Ela lembra flocos de neve. Talvez um algodão-doce. De tão imensa, chega a ocultar as bochechas. Beira a uma proteção, mas não muito. A pele descoberta não resiste às queimaduras do Sol. As manchas vermelhas contrastam com a branquidão dos pelos. Impossível conter a fúria do astro-rei neste calor da fronteira.
Aos 84 anos de idade, o senhor Abel tem um cantinho para o seu pouso. Curioso, adora andar por aí a procurar o tal “sol que nasce para todos”. Tem um semblante cansado e simpático, quase enigmático. O seu olhar está no próximo da esquina. Diariamente ele caminha pela cidade carregando o seu mundo no saco de plástico sobre os ombros. Sempre de “olhos abertos” às pessoas.
De tanto peregrinar dia e noite, esse senhor é bem conhecido entre os moradores de rua. Sabe um pouco da realidade dos Josés e Marias que vivem em imóveis abandonados, lotes baldios, marquises e até mesmo no armário de energia elétrica em frente ao Bosque Guarani. O inverso também é verdade. Quem é do pedaço reconhece o velhinho de longe.
Não são iguais. São todos diferentes. Cada qual com sua história, jamais indiferentes entre si, como retratou o repórter fotográfico do H2FOZ, Marcos Labanca. O fotógrafo andou pelos quatro cantos da Terra das Cataratas para mostrar um pouco dessa realidade. De quebra, voltou para a redação com um ensaio sobre os invisíveis nossos de cada dia. Coube a gente apenas fazer a crônica.
É o caso de Antonio de Meter, de 50 anos, morador de rua há dez anos. Ele sobrevive como pode, catando material reciclável para revender e fazendo um serviço aqui outro acolá. Teto mesmo só a lona esticada sobre a barra de direção do carrinho. Dorme no chão… menos duro por conta de algumas camadas de papelão. Nem reclama. Dificuldade mesmo enfrenta diante da atenção dispensada por motoristas e pedestres:
― Muitas vezes a dificuldade mesmo é o desprezo das pessoas. Muitas pessoas ajudam a gente, mas muitas desprezam e tratam nós como lixo! (áudio)
Como o senhor faz para comer?
― Muitas vezes a gente pega do lixo. Muitas pessoas ajudam também, sabe, “que ném” as entidades, sabe. Muitas vezes a gente não consegue pegar elas. Tem que estar no lugar certo pra pegar, tem as ruas certas para pagar (o alimento)… (áudio)
O senhor dorme aqui sempre?
Aqui é o meu lugar preferido. Eu gosto de chafariz. Eu aproveito para tomar água e lavar meus pés. Não lavo lá [dentro do chafariz]. Eu pego água dali e lavo aqui. Sou mais higiênico que muitos. É o meu lugar de descanso. Tipo uma parada, “que ném” um posto de gasolina. (áudio)
“Os ninguéns”, por Eduardo Galeano
As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:Que não são embora sejam.Que não falam idiomas, falam dialetos.Que não praticam religiões, praticam superstições.Que não fazem arte, fazem artesanato.Que não são seres humanos, são recursos humanos.Que não tem cultura, têm folclore.Que não têm cara, têm braços.Que não têm nome, têm número.Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
____________________Extraído de H2Foz
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