Alguns viviam próximo à barranca de rios; outros em áreas de risco, embaixo de lonas. Longe do direito à moradia, eles tentavam driblar as típicas crises da vida para sobreviver na selva urbana. Hoje, conseguem pelo menos ter o direito de sonhar com um pequeno pedaço de chão chamado casa própria.
Eles são os atuais moradores do Bubas, a maior ocupação do estado do Paraná, situada na Região Sul de Foz do Iguaçu, fronteira com a Argentina. Na extensão de pelo menos 40 hectares vivem hoje cerca de 1.580 famílias, totalizando quase seis mil pessoas, todas em busca de teto próprio. Desse total, aproximadamente 300 famílias ainda não são cadastradas.
O Bubas tornou-se uma minicidade com ares e identidade própria povoada por brasileiros, argentinos, paraguaios; cidadãos do mundo. Possui centro comunitário, mercearia, salão de beleza, costureira e, no olhar dos moradores, muita esperança de dias melhores.É ali, na Rua do Compadre, que mora a cabeleireira Maria Vaniusa. Ela resolveu mudar para a comunidade em fevereiro deste ano. A ideia é ficar mais perto da família. Vaniusa e a mãe, a costureira Terezinha Goulart, são vizinhas de porta nos negócios. Dividem não só a alegria de estarem juntas, mas também o gosto de morar e trabalhar no Bubas.
A cabeleireira conta que trabalhava como professora em um colégio particular de Foz do Iguaçu e ficou desempregada. Visitou o Bubas, viu que não tinha salão de beleza e resolveu encarar a oportunidade de morar no local. “O pessoal aqui é acolhedor, sincero e tranquilo.”
O desafio de trabalhar no Bubas é vencer as dificuldades de moradia. Vaniusa diz que quando falta luz o jeito é usar apenas a tesoura e dispensar os acessórios que funcionam com energia elétrica para fazer os cortes de cabelo. A mãe sente-se feliz em compartilhar a vida lado a lado com a filha. Uma proximidade que talvez seria difícil em outro lugar. “Estamos juntas, trabalhando”, diz Terezinha.
No Bubas há moradores que ganham a vida na função de diarista, manicure, pintor, professor, mas a maioria está na área da hotelaria e construção civil. Por lá também circula o Nelson Alves, 54 anos. Ele mora na Rua Salve Jorge, é vendedor ambulante e comercializa hortifrutigranjeiros no Bubas, centro e bairros de Foz. “Trabalhamos assim porque o emprego está difícil”, destaca. Com uniforme da Prefeitura de Curitiba, onde trabalhava como gari, Nelson percorre as ruas do bairro para vender os produtos. Enquanto alguns cuidam da casa e do comércio, existem aqueles que se reúnem no barracão comunitário. Lá os moradores fazem reuniões, distribuem roupas para doação e participam de cultos e atividades promovidas por associações e organizações não governamentais. A Associação Fraternidade Aliança (AFA) faz, regularmente, oficina de permacultura e artesanato e oferece aulas de música.
O que não falta no Bubas é identidade própria. Foram os moradores, com apoio de alunos e professores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), que deram nome às ruas. E criatividade não faltou. Tem a Rua do Compadre, Rua Fuga da Belina (em alusão a um morador que corria demais com uma Belina velha), Rua Justiça de Deus, Rua Canário, Rua Salve Jorge, Rua da Pipa (em homenagem às pessoas que soltam pipas), Rua Guarani (onde tem muitos paraguaios) e Rua do Amigo.
Em algumas casas sobra criatividade para improvisar. Na Rua do Compadre, na qual vive o pintor Sidnei Nascimento, os moradores adaptaram um quadro de bicicleta com um galão de água para proteger as lâmpadas. Sidnei conta que foi construindo a casa aos poucos e hoje pensa em ficar no Bubas e pagar pela moradia. “Nós queremos pagar”, afirma. Agora a comunidade quer escolher um nome para a ocupação, após tudo ser legalizado.
O primeiro passo para a ocupação foi dado em 2013 por um grupo de moradores do Porto Meira. Assolados pela moradia indigna, eles resolveram montar barracos no terreno. Uma legião de pessoas seguiu os caminhos do grupo e, de uma hora para outra, espontaneamente, nascia a ocupação do Bubas expondo a demanda calada pela casa própria em Foz do Iguaçu.
Com o tempo, as primeiras casas, de lona, transformaram-se em tapume para depois ganhar madeira ou alvenaria. Para alguns, lona e restos de materiais de construção ainda compõem o cenário da moradia. Mas o que importa é que o sonho de ter uma casa chamada de sua está próximo. Classificar os moradores de meros oportunistas é pensar pequeno. O desconforto e as dificuldades ainda rondam, e muito, a vida deles. Quem gostaria de ter o teto alagado ou destruído em um temporal ou correr o risco constante de incêndio por depender de energia clandestina por não possuir endereço legal? Resolver tais intempéries faz parte da vida dos moradores. Eles aguardam, ansiosos, a oportunidade de legalização e nunca esconderam o desejo de pagar pelo terreno. Mesmo diante das dificuldades enfrentadas, para muitas famílias, o Bubas é um paraíso diante da realidade que ficou para trás. “Aqui é uma família enorme, uma ocupação maior que certas cidades do Paraná. Para muitas famílias que moravam em barranca de rio, aqui é um paraíso”, conta Roseli Noeli dos Santos, 49 anos, uma das líderes do Bubas.
Os moradores aguardam dos órgãos públicos uma decisão para legalizar definitivamente a área. A Defensoria Pública do Paraná, que presta assistência à comunidade, já encaminhou recomendação à prefeitura, Copel e Sanepar para a instalação de água e de luz e para a abertura de ruas.
A Sanepar informou, por meio da assessoria de imprensa, que mantém, desde 2015, três medidores, chamados torneirões, instalados na área, para acompanhar o consumo de água tratada, cuja média dos últimos 12 meses foi de 34 mil metros cúbicos, ou 34 milhões de litros de água. A companhia informa que as ligações para o consumo da água são irregulares, mas que há interesse na legalização. Para isso, a Sanepar aguarda autorização dos órgãos públicos envolvidos. Porém, antes de fazer as tubulações, é preciso que a infraestrutura da ocupação e as ruas estejam prontas. O gerente local da Copel, Júlio Cesar Ramirez, afirma que também aguarda liberação do Ministério Público e a abertura de ruas, por parte da prefeitura, para regularizar o consumo de energia elétrica no Bubas. “A Copel é a maior interessada em regularizar.” A estimativa da companhia é a de que cerca de 1.300 casas estejam consumindo energia de modo irregular.A decisão que garante a permanência das famílias na ocupação foi anunciada em abril de 2017. O juiz Rogério Vidal Cunha, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Foz do Iguaçu, indeferiu liminar favorável à reintegração de posse e garantiu a permanência das famílias no local, com base em regras internacionais de direitos humanos. O material da defesa foi levantado a partir de estudos feitos por professores e estudantes da Unila na área. O direito à moradia está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Em julho de 2015, a Defensoria Pública do Paraná manifestou-se enquanto representante processual dos moradores. O que está pendente hoje na Justiça é a decisão de como o proprietário da área, Francisco Bubas, será indenizado. Uma das possibilidades é a de os próprios moradores pagarem pelos terrenos. E muitos deles já demonstraram estar dispostos a isso.
____________________________Da página H2Foz / Texto: Denise Paro / Fotos e vídeo: Marcos Labanca
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