“Cidade Nova”, fotografia de Danilo Georges (2012)
. De acordo com minha vivência de 10 anos nesse pedacinho de chão latinoamericano…
O Cidade Nova está localizado na zona norte de Foz do Iguaçu, entrincheirado pelas torres de energia que vai de Itaipu a Furnas e divide o bairro ao meio. Por toda a extensão do linhão podemos observar os corpos energizados de famílias com suas enxadas cultivando roças de mandioca, milho, quiabo, feijão e batata-doce. Nos quintais das casas, pequenas hortas com hortaliças, temperos e ervas medicinais, regadas à mangueira ou regadores de mão e jardins floridos atraindo borboletas, abelhas e beija-flores.
Passear pelo bairro nos horários da janta é se sentir em um restaurante, e quem for bom de olfato vai identificar o cheiro de coentro, salsinha, cominho, tempero baiano, colorau e da mistura de sabores e saberes desse povo oriundo de varias cidades.
Boa parte das casas são conjugadas e padronizadas, construídas pelo projeto habitacional da prefeitura. Nas noites chuvosas dorme-se ao som da água que cai por sobre o telhado de amianto. E nas noites de céu limpo, uma rede no quintal oferece um belo cobertor de estrelas e uma lua cheia de encher os olhos. Nota-se em frente aos quintais pilhas de tijolos, areia e pedra, onde moradores reformam suas casas no ritmo das condições financeiras tornando o bairro um eterno canteiro de obras.
O primeiro posto de saúde foi desativado para a construção do segundo. E em breve o segundo será desativado para a inauguração do terceiro, que até aqui sempre teve um atendimento precarizado. Somado a um colégio estadual, um colégio municipal e uma creche com poucas vagas, uma pequena academia a céu aberto, essas são as estruturas que o Estado disponibilizou.
Quem faz a movimentação cultural do bairro são os moradores que se juntam no CNI, um Centro Cultural com Biblioteca Comunitária. Outra presença cultural é a galera do Movimento Hip-Hop, presentes nos grafites que margeiam o parquinho das crianças e nas produções do Estúdio Comunitário ECO. Uma associação de capoeira – Cordão de Contas – também oferece encontros semanais. Temos duas associações de moradores com seus presidentes que batem palma na frente das casas em ano eleitoral.
Bairro de manhãs sonolentas e fins de tarde eternos, de um pôr-do-sol que se desmancha no horizonte e sinfonia de pássaros, o Cidade Nova muitas vezes aparenta uma cidade pacata, congelada no tempo, com seus cavalos puxando carroças de papelão, galinhas soltas pelos canteiros perseguidas por cachorros serelepes acompanhados pelos olhares das crianças que vendem latinha para comprar sorvetes e doces depois da escola.
A antiga plantação de soja que degradava o solo por aqui até 1997 deu lugar as casas populares e diversas arvores plantadas pelos próprio moradores, oriundos de áreas de remoções e outros cantos da cidade. Nas tardes de sol, as sombras convidam para um tererê, um chimarrão, um cafezinho e uma boa conversa entre vizinhos e visitas. Nas esquinas e na frente das casas a molecada se reúne com suas caixas de som portáteis turbinadas com seus pen-drives ao som do funk, sertanejo, rap, musica eletrônica, hits dos anos 60, 70 e 80, com copos gigantes de bebidas coloridas e fumaça ao ar. Uma igreja católica e dezenas de igrejas evangélicas disputam os fiéis com os bares. De tempo em tempo passa um carro de som divulgando o culto, disputando espaço com as propagandas de supermercado, troca-se sorvete por extintor velho de carro, e vende-se cartela de ovos com 30 unidades.
Nas copas das árvores podemos ver a molecadinha enchendo o bornal de frutas de várias espécies. Ceriguela, ameixa, manga, goiaba, acerola, pitanga, fruta do conde, amora, ingá, abacate, jaca, faz a felicidade dessa galerinha de sorriso largo e braços sempre abertos aos abraços. Ao redor do Cidade Nova avizinham-se os bairros Vila Solidária, Jardim Universitário, Jardim Andradina e Jardim Almada. Esse último é, onde, nos dias de intenso calor, algumas pessoas pegam trilha até o riozinho para banhar-se nas águas nada convidativas e pescar com suas varinhas de bambu pequenos lambaris, mussuns, morenitas, bagres e traíras.
Bairro de gente criativa, humilde e batalhadora, que na sua grande maioria se ocupa de algum ofício. Estudantes, agricultores, poetas, músicos, capoeiristas, artesãos, trabalhadores que se amontoam nos coletivos ou pilotam suas bicicletas e motos com placa paraguaia, indo e voltando do trabalho. Nas madrugadas lotam os ônibus que levam os trabalhadores para a labuta nas cooperativas agropecuárias da região. Churrasco, musica alta, ruas movimentadas com gente carro cachorro gato, filas nas janelinhas dos disk bebidas, frango assado nos mercados, dezenas de pequenos comércios, jogos de futebol, pipas no céu. Nos fins de semana, Cidade Nova é efervescência, loucura, êxtase de corpos cansados, seja da exploração do trabalho, como da violência doméstica.
As placas na frente das casas vão de vende-se mandioca, gelinho, produtos da Avon e Jequiti, às dezenas de placas de vende-se esta casa. O bairro está preso no marasmo político, esquecido pelo poder público em seus planos diretores, desunidos e enfraquecidos frente a perversidade do capitalismo e seus vampiros que atacam nossos direitos.
O horizonte desenha-se como um vidro de carro embaçado pela tempestade torrencial dos nossos tempos, onde os condutores estão expostos a todo tipo de acidentes.
Mas o poeta profetiza: “Nossa vitória não será por acidente”.
Nos últimos anos, esse pedacinho de chão vermelho, vem recebendo e articulando encontros e parcerias com gente de toda america latina e caribe.
Bienvenidos hermanxs…
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