Gravações na comunidade Herdeiros da Luta de Porecatu / Foto: Wellington Lenon
O legado do patrono da educação brasileira é tema do primeiro samba enredo composto pela Escola de Samba Unidos da Lona Preta, coletivo formado por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Paraná (MST-PR). Depois de cinco meses entre a composição e a gravação do clipe, a música “A unidos canta e conta Paulo Freire” foi lançada na primeira semana de outubro, nas redes sociais do MST.
A comunidade Herdeiros da Luta de Porecatu, localizada em Porecatu, norte do estado, recebeu a gravação do clipe do samba enredo. O ambiente da Escola Itinerante e das estradas de terra do acampamento se tornaram o cenário, com participação de camponeses e camponesas de todas as idades, moradores do local.
Da composição até a gravação do clipe, o samba tem a marca de dezenas de militantes Sem Terra, em especial da juventude. “Foi uma obra coletiva do começo ao fim”, sintetiza Igor de Nadai, militante do MST, músico e coordenador da Unidos da Lona Preta no estado. A produção envolveu o Coletivo de Juventude e os Setores de Educação, Comunicação e Cultura do Movimento.
“Criar esse samba enredo é realizar um sonho antigo nosso, e o centenário do grande educador popular brasileiro foi impulso pra nós. Paulo Freire é isso, é comunicação, cultura e educação popular. Não é do ensino tradicional e da sala de aula. Tinha tudo a ver com o que a gente queria no nosso primeiro samba enredo”, completa o músico.
Se Paulo Freire inspirou a letra e o método de construção, as referências musicais vêm principalmente das Escolas de Samba. “Elas são reconhecidas pela sociedade por seu legado acumulado de música, estética e organização popular. Não à toa, elas conseguem levar tanta beleza e com milhares de pessoas envolvidas, todos os anos”, diz Igor de Nadai.
A Unidos da Lona Preta de São Paulo é a “madrinha” do grupo do Paraná, com presença da constituição e formação da juventude. Há dois anos, a Escola Leões da Mocidade abriu alas para a participação do MST no carnaval de Curitiba. A partir daí, a harmonia entre a luta pela terra e o samba no estado só cresce.
O marco da entrada do MST no carnaval curitibano foi em 2020, quando um grupo de cerca de 20 pessoas (a maioria jovens) passou três semanas participando de cada etapa da preparação do desfile da Leões de Mocidade. Foram dias dedicados à confecção de alegorias, construção de carro alegórico, aos ensaios do desfile e da bateria.
“Foi o último pé que nós colocamos numa escola de samba antes da pandemia, e que não queremos mais tirar. Porque vimos que a escola de samba é um solo fértil também para o povo Sem Terra”, garante o militante.
A relação do MST do Paraná com o samba tem pelo menos uma década. O protagonismo da juventude é no ritmo dos tambores, mesmo quando feitos de material reciclável.
“Começamos com latas vazias de tinta, barril de vinil, e fazendo a coisa acontecer. Vimos que a juventude tinha vontade de fazer o que a gente chamava de ‘batucada’. Com o tempo, sentimos que era insuficiente, e que era preciso avançar”, relata Igor de Nadai, sobre os primeiros anos de organização das batucadas.
Com inspiração nos acúmulos centenários das Escolas de Samba, vieram cursos práticos e teóricos, oficinas, e muita atuação prática em mobilizações. Entre aqueles que já gostavam do samba e os que aprenderam a gostar, dezenas de integrantes do MST passaram por formações, e hoje também cultivam a música em seus territórios.
Juliana Barbosa conheceu o tamborim aos 19 anos, em um dos cursos de música do MST realizados durante a Vigília Lula Livre, em Curitiba, em 2018. Na época, a jovem morava com a família no acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu. Ela veio à capital integrando uma das brigadas de apoio à Vigília, formadas por militantes do Movimento de todas as regiões do estado, ao longo dos 580 dias de manifestação diária pela liberdade de Lula.
A primeira vez que Juliana pisou na avenida foi no carnaval do ano seguinte, já como integrante da bateria da Escola de Samba Leões da Mocidade. “Antes de eu ter contato com a bateria, eu não curtia muito. Para além de eu pegar o instrumento e aprender a tocar, eu fui aprendendo sobre a história do samba, que é uma cultura de resistência, é um povo que luta para ter seu espaço na sociedade, assim como nós do MST. Aprendi a gostar e me identifiquei”, conta a jovem Sem Terra.
Juliana Barbosa, nos primeiros meses de prática com o tamborim / Foto: Lizely Borges
A jovem, que nunca se imaginou como integrante de uma escola de Samba, hoje enfatiza a importância das mulheres também aprenderem a tocar instrumentos e a compor. Fazer parte da composição do primeiro samba enredo da Unidos da Lona Preta é motivo de orgulho: “Foi um processo bem rico, bem coletivo e emocionante, porque não foram só os cinco dias em que a gente esteve lá na comunidade gravando. Foi desde 2018, quando comecei a tocar o primeiro tamborim na Vigília”, reforça.
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