Comunidade escolar na Tekoha Remanzo Toro, no Paraguai
Ao todo, são 30 estudantes Guarani distribuídos por dez tekoha (aldeias) situadas em diferentes pontos da Tríplice Fronteira. No Brasil, vivem nos municípios paranaenses de Terra Roxa, Guaíra, Santa Helena e Diamante D’Oeste. Na Argentina, habitam os tekoha Kuña Piru, Mbororé e Chapa’i, na província de Misiones. Já no Paraguai, estão nos tekoha Puesto Kuê, Ramanzo Toro e Akaraimy, no departamento de Alto Paraná, e no tekoha Yapo, em Canindeyú.
As visitas fazem parte do chamado Tempo Comunidade, uma das bases da Pedagogia da Alternância, que estrutura o curso em um diálogo constante entre universidade e comunidade. A proposta está prevista no Projeto Pedagógico do Curso, que reconhece esse modelo como fundamental para processos educativos em contextos específicos, como os indígenas. Nesse formato, o conhecimento acadêmico (Tempo Universidade) se articula com os saberes vividos e compartilhados nas comunidades (Tempo Comunidade, no curso chamado de Tempo Tekoha), promovendo uma formação integral, enraizada no território.
A professora Delmira de Almeida Peres, indígena Avá-Guarani nascida no município de Medianeira, acompanhou de perto o processo. Pedagoga na Escola Estadual Indígena Arandu Renda, localizada no município de Itaipulândia, Delmira é uma das seis professoras formadoras selecionadas por um edital da CAPES para atuar no curso de Licenciatura Intercultural. Ela destaca que a experiência de escuta, convivência e orientação nos territórios é parte vital da formação. “A aprendizagem precisa considerar os aspectos individuais de cada localidade, suas formas de organização social e familiar, o convívio cultural em cada território e a centralidade da oralidade, que é a resistência da identidade”.
Docentes Mário Ramão Villalva Filho (na esquerda, de cinza) e Delmira Peres (de rosa) durante atividade na Escola Estadual Indígena Araju Porã.
Para Delmira, há um diferencial evidente quando a formação acontece no território. “Os educadores se sentem mais à vontade, mais seguros de si. A vontade de aprender é visível. Como indígenas, temos a habilidade de ensinar nossas tradições por meio da oralidade, da relação com a natureza e da forte identidade com o território. Essa educação é do corpo, da mente e da alma — sempre conectada à comunidade”, disse.
Durante o Tempo Tekoha, os estudantes desenvolvem investigações sobre suas próprias realidades: mapeiam a população, a alfabetização nas escolas, as línguas faladas, os mitos, as organizações políticas, a cosmologia e os espaços sagrados, como a casa de reza. Já no Tempo Universidade, apresentam e discutem esses elementos com os colegas e docentes, promovendo uma troca entre saberes tradicionais e acadêmicos.
Como professora, Delmira defende que é preciso preservar, em primeiro lugar, a língua materna dos estudantes, trabalhar sobre os territórios assegurados e também os que estão em processo de retomada. “A territorialidade é fundamental para a sobrevivência física, cultural e espiritual do nosso povo”, afirma. Segundo ela, o curso também se compromete com o fortalecimento da identidade coletiva, o diálogo com os movimentos sociais e a valorização dos conhecimentos tradicionais para uma vida sustentável.
Os professores Wagner Barros Teixeira e Márcia Cossentin com os alunos Aliever Esquivel Gonçalves e Paulinia Takua na Tekoha Y’hovy, em Guaíra
Segundo a professora Márcia Cossetin, coordenadora do Parfor Equidade na UNILA, o acompanhamento presencial permite também orientar os estudantes na elaboração dos trabalhos finais das disciplinas e fortalecer o vínculo entre a universidade e os territórios. “A busca é por assegurar a coerência teórico-metodológica do curso e fortalecer o vínculo entre a universidade e as comunidades indígenas”, declarou.
Durante as visitas, foram abordados três eixos principais: o acompanhamento acadêmico-pedagógico, com a verificação do progresso nas atividades desenvolvidas; a reorientação metodológica, com ênfase na articulação entre Tempo Universidade e Tempo Tekoha; e os esclarecimentos institucionais, que incluíram o cronograma e os critérios para a socialização das pesquisas.
Para o professor Wagner Barros, também docente da Licenciatura, a presença nos territórios é essencial para a efetividade da proposta. “A interação direta permite esclarecer dúvidas e dar segurança aos estudantes, respeitando seus modos próprios de aprender e ensinar”, disse.
Já o coordenador do curso, professor Clovis Brighenti, destacou que essas ações são estratégias para consolidar a proposta pedagógica da Licenciatura. “As visitas fortalecem o vínculo entre a universidade e quem está nos territórios. Isso é fundamental para a permanência qualificada dos estudantes e para a continuidade do curso. O Tempo Tekoha insere também o formador na realidade vivida pelos estudantes, favorecendo a aproximação dos conteúdos com os espaços contextualizados”, afirmou.
No Tekoha Ypoy, os estudantes Leonardo e Anderson acompanhados pelos docentes Karina Mendes Thomaz e Clovis Antonio Brighenti
Vinculada ao Programa Nacional de Fomento à Equidade na Formação de Professores da Educação Básica (Parfor Equidade), no âmbito da UNILA, a Licenciatura Intercultural Indígena no Território Yvy Mbyte tem como objetivo promover a formação de professores(as) Guarani para atuação na Educação Básica. O curso é voltado ao Povo Guarani que vive na região do Yvy Mbyte (centro do território Guarani), área de influência do Paraná Rembe’y (moradores das margens do Rio Paraná). Esse território abrange o oeste paranaense (municípios de Guaíra, Terra Roxa, Santa Helena, Itaipulândia, São Miguel do Iguaçu e Diamante D’Oeste); o leste do Paraguai (Departamento do Alto Paraná e Canindeyú); e o nordeste da Argentina (Província de Misiones).
Ao concluir a graduação, o(a) estudante terá uma formação comum para a docência nos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, com ênfase nas áreas das Ciências Humanas e Linguagens. A carga horária total da graduação é de 3.210 horas/aula, com organização em regime semestral e duração prevista de quatro anos.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.