Cerca de 40% da cobertura vegetal do Brasil está concentrada em apenas 400 municípios, ou 7% das cidades do país. Ali vive 13% da população brasileira economicamente mais carente. A concentração de pobreza em lugares que ainda possuem remanescentes de vegetação representa um risco para a biodiversidade. O pior desta equação é que a troca da floresta por agricultura e pecuária não tem melhorado a qualidade de vida dos moradores tradicionais e é uma das causas do êxodo rural.
“É o que chamamos de ‘pobreza verde’ e que indica que municípios, principalmente na região Norte, tem alta cobertura de vegetação nativa e IDH muito baixos. A leitura tradicional é: então vamos substituir a mata por um plantio ou pecuária. Mas, ao se fazer isso, o município perde a maior parte do valor que tinha, e a tendência é que a cidade perde a pequena agricultura, o extrativismo.Estes atores vão para as periferias das cidades”, explica o biólogo Carlos A. Joly, professor de ecologia da Universidade de Campinas (Unicamp). “Tradicionalmente não é a população que vive ali que irá se beneficiar da riqueza que pode vir com a conversão da floresta”, segue Joly.
Este alerta faz parte do Primeiro Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, um extenso e inédito estudo feito por uma rede de 120 cientistas de todas as regiões do Brasil e de diversas especialidades. O sumário para autoridades e gestores foi lançado hoje no Rio de Janeiro.
“Queremos e precisamos reverter isso. Fazer com que a riqueza da biodiversidade reverta para a população que vive ali. Temos que criar cadeias de produção dos recursos naturais, que utilizem a floresta em pé para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem ali, e assim, aumentar o IDH”, segue o professor Joly, coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).
A Plataforma da Biodiversidade agrupa mais de 100 professores universitários, pesquisadores e gestores ambientais que se reúnem desde novembro de 2015 para produção do relatório. Durante o processo promoveram reuniões com representantes do governo federal, de organizações não-governamentais ambientalistas, grupos indígenas e membros de empresas para discutir os principais resultados.
“Acredito que a mensagem principal do diagnóstico é que a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos não podem ser vistos mais como obstáculo ao desenvolvimento”, diz Joly. “São um patrimônio fantástico e imprescindível para a qualidade de vida. É perfeitamente possível manter ou aumentar a paisagem agrícola e pecuária usando sistemas integrados de agricultura e floresta”, segue.
Até 2030, alerta o diagnóstico, a mudança no uso da terra continuará como o principal vetor da perda de biodiversidade no Brasil. Apesar da redução das taxas de desmatamento, a conversão dos sistemas naturais continua alta especialmente na Amazônia, no Cerrado (236 mil km2 entre 2000 e 2015) e na Caatinga (conversão de 45% da cobertura original). Mesmo na Mata Atlântica, que registrou uma área desmatada de 29 mil hectares de 2015 a 2016, a devastação supera a área restaurada no bioma no mesmo período.
“A perda florestal no país excedeu em pelo menos três vezes todas as promessas de restauração feitas no período”, crava o relatório.
A bióloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília e referência no bioma Cerrado, diz que a grande preocupação dos cientistas é que existe “uma janela de oportunidade para a restauração no Brasil, mas ela vai se fechando. E isso tem um custo. As opções vão se tornando mais caras e, em alguns casos, são difíceis de reverter”.
Mercedes faz uma analogia com a saúde humana. “Quanto mais deixamos uma doença avançar, mais difícil e mais custoso reverter”, diz ela, para quem as questões ambientais “não podem ser olhadas sempre pela ótica do confronto”. “Temos aí uma importante agenda econômica.”
O estudo mostra, por exemplo, que o Brasil é o terceiro maior exportador de produtos da silvicultura. Registra que 2/3 da energia elétrica consumida provém de usinas hidrelétricas que dependem da integridade de ecossistemas. Diz que a previsão é que entre 2013 e 2025 o Brasil dobre a produção pesqueira, passando a 1.145 mil toneladas. Lembra que 70% do que é consumido pelos brasileiros vêm da agricultura familiar.
“Biodiversidade e ecossistemas são elementos fundamentais para o enfrentamento das crises socioeconômicas e ambientais nacionais e globais”, diz o estudo, “pois trazem novas oportunidades de desenvolvimento”.
“Concluímos o relatório em um momento crítico. Gostaríamos de nos colocar como interlocutores nestas discussões”, diz Joly, referindo-se à mudança de governo e ao debate em torno do destino do Ministério do Meio Ambiente.
“Mostramos com dados quais as opções e possibilidades que temos. Este é um documento vivo, que será continuado. Esperamos que desperte o interesse e a curiosidade, e que traga debatedores para discutirmos como compatibilizar conservação com desenvolvimento econômico”, segue o biólogo.
O sumário do relatório destaca que a biodiversidade brasileira “também se expressa em imensa diversidade cultural”. Recomenda incorporar os conhecimentos indígenas e tradicionais para que se utilize a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos de forma sustentável.
O Brasil tem 305 povos indígenas contatados que falam 274 línguas e mais de 500 sítios naturais sagrados. Tem dezenas de populações tradicionais como os caiçaras, quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, quebradeiras de coco-babaçu, pantaneiros e vazanteiros. “Tais povos são detentores de conhecimentos e práticas muitas vezes desconhecidos da sociedade em geral sobre agrobiodiversidade, pesca, manejo do fogo e medicina natural.”
O diagnóstico está organizado em cinco capítulos onde se apresenta o diagnóstico da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, as tendências dos vetores da degradação e da restauração, as interações entre natureza e sociedade e opções de governança.
A Plataforma da Biodiversidade tem apoio do CNPq e do Programa Biota/Fapesp, além do apoio institucional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Academia Brasileira de Ciências e da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).
A íntegra do relatório está em www.bpbes.net.br
Extraído do boletim do Núcleo de Geotecnologias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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